21 de fev. de 2010

Nós, os dissimulados

Semanas atrás, a ex-bebebê Elenita acusava outra moradora da Casa, Fernanda, de ser a mais dissimulada do programa. “Ela força amizade com todo mundo para não ser votada”, diagnosticava a linguista. Aquilo me intrigou. Primeiro porque “forçar amizade” é expressão absurda; pode-se no máximo conquistar um amigo, seduzi-lo ou tentar chegar perto disso, mas forçá-lo é impossível. Pode-se também forçar alguém – e então não será um amigo. Os dois conceitos se excluem. Em segundo lugar, até onde pude perceber, minha xará lourinha sempre se mostrou controlada, doce e sorridente no jogo, sem se envolver sensivelmente em intrigas ou semear venenos pelos quartos. Pelo menos não enquanto eu estava assistindo. Mas o que mais me intrigou foi que, talvez, exatamente isso tenha motivado a acusação de Elenita: não uma atitude realmente falsa por parte da adversária, e sim a ausência da atitude hostil, neurótica e defensiva que se assumiu como natural aos participantes do programa. No BBB (segundo o código de conduta dos próprios bebebês), simpatia é dissimulação e gritaria é autenticidade. Só no BBB?...
Cá entre nós: dentro ou fora da Casa, não são poucos os que defendem essa psicologia “muderna” e torta. Se foi grosseiro, implicante, brigão, egocêntrico, insensível, desaforado, beleza! eis um autêntico. Se foi bonzinho, condescendente, gentil, suave, eis um banana – ou um falso. Parte-se do princípio (hoje em dia, sagrado) de que não se deve “trair” sua vontade, sua voz, sua ideia – esquecendo-se o detalhe de que todos têm vontades, vozes e ideias distintas e, portanto, a vida social iria à falência sem pequenas “autotraições”. Em outras palavras: qualquer convivência civilizada é impossível sem dissimulação. Não falo aqui, é óbvio, do cara-de-pau que faz ar de inocente enquanto mete dólares na meia ou na cueca, nega conhecimento de falcatruas, oferece droga dizendo que não faz mal, engana o marido (ou esposa) com o(a) colega do escritório, fofoca com o chefe sobre Fulaninho e com Fulaninho sobre o chefe. Isso é dissimulação do mal – puro egoísmo que só ajuda a tornar a sociedade inviável. O que aponto como fundamental é aquela dissimulação do bem que nos impede de agir como tratores. Quer se chame isso de generosidade, equilíbrio, superego ou de algum grau (necessário) de bananice.
Sem a dissimulação do bem, seríamos todos Isabéis. Sabe a Isabel, irmã da modelo Luciana de Viver a vida? pois é. Alguns ainda conseguem ser fãs de seu jeito perverso de dizer “verdades”, como se a crueldade (embora sincera) tivesse mais valor de mercado do que o hábito de tornar as pessoas menos infelizes. É preciso ser positivamente dissimulado para se transmitir esperança ao doente, mesmo que por dentro estejamos morrendo de tristeza e medo. É preciso ser corajosamente dissimulado para dizer ao filho que tudo vai ficar bem, ainda que se tenha sido demitido. É preciso ser equilibradamente dissimulado para não esganar a colega tagarela de voz estridente, o vizinho que pede tudo emprestado e não devolve, o atendente do hospital público lotado. É preciso dissimular para não deixar de dar “bom dia” quando estamos deprimidos, não faltar ao trabalho quando só queremos dormir, não fechar a cara quando recebemos um presente nada-a-ver (dado com carinho). Dissimular é preciso. Para viver, para conviver, para sobreviver – e deixar os outros sobreviverem na mais santa paz, na paz acessível. Dissimular para o bem não é mentir: é (se) aperfeiçoar. Afinal, não há mérito algum em manifestar exatamente o que somos e sentimos se, com isso, deixamos o mundo pior do que quando entramos nele.

15 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto, principalmente pela 'mistura' com elementos do dia-a-dia. Apesar de eu ter uma opinião um pouco diferente da sua, seu texto ficou bom, e me fez pensar em algumas coisa. Parabéns novamente.


http://enigmasdocotidiano.blogspot.com/

Viviane Righi disse...

Fernanda, boa noite!
Engraçado... tempos atrás, fiz uma postagem comparando como as coisas acontecem de forma totalmente diferente ao nosso redor, envolvendo ao mesmo tempo situações dramáticas de um lado e fúteis de outro, muitas vezes ao mesmo tempo, em lugares diferentes, com pessoas diferentes...

Para "ilustrar" isso, utilizei como exemplo o BBB e o conflito em Gaza, na época. Lembro-me que vc até fez um comentário expressando com clareza a sua opinião sobre o assunto, discordando de alguns pontos que eu coloquei e concordando com outros. Eu achei aquilo fantástico, pois o fato de não concordar com alguma coisa definitivamente não quer dizer que devemos ser rudes, grosseiros, indelicados. Eu acredito nisso, sabe Fernanda... na conversa, na troca de opiniões, na discussão sadia.

Essa dissimulação "normal" que vc cita é verdadeira mesmo - ela acontece com todos nós. E eu duvido que alguém nunca precisou ser dissimulado para conquistar algum objetivo no dia a dia... Sem querer somos "forçados" a isso - naturalmente!

Quando vc fala da "dissimulação maldosa", achei que vc está coberta de razão. De coisas ruins e de problemas o mundo está cheio. Precisamos ser mais "humanos" uns com os outros, precisamos olhar mais ao redor ao invés de olhar apenas para o nosso próprio umbigo.

Eu DETESTO BBB, mas adorei vc ter abordado esse tema de forma tão sensível e inteligente. Serviu para nos levar a uma reflexão muito bacana!

Bjo grande pra vc e até breve!!!

http://fluindolhar.blogspot.com/

Lunaticools disse...

Dissimular é , digamos, normal e necessário para se viver em sociedade; mas esse pessoal de bbb esses lances o fazem muito mediocremente...

abç

Unknown disse...

Bela comparação da realidade com a ficção! e no meu ponto de vista, BBB é uma aula de psicologia ao vivo q estudamos a udança de comportamento e mentalidade dos membros da casa q mudamdo jeito q eles mudam de roupa, pois hoje ken é amigo amanha não é mais, hoje o q é certo amanha nào é mais e por aí vai.... talvez seja a unica coisa boa q se possa extrair desse programa pois o resto é só futilidade. Mais isso é minha opiniào e assisti quem quer ao programa né?

Yuri [VerbALL] disse...

Belo textos, e uma ómtima comparação.
Eu mesmo, odeio BBB e não suporto ouvir falar sobre, mas seu texto ficou criativo ao utilizar-se do programa.

Verball
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Macaco Pipi disse...

BBB

BIG BOSTA BRASIL!

Macaco Pipi disse...

AS PIORES: ANAMARA E FERNANDA!

Erick disse...

Dossimular é uma das coisas mais comum do nosso mundo na atualidade, mais temos que saber quando usar, e onde e com quem!

Carolina Quirino disse...

BOA! De total acordo. Adoro essa 'coisa' de pegar assustos e colocá-los em nosso dia-a-dia.

Naya Rangel disse...

Excelente texto! Não assisto BBB, mas pensando na situação, você está correta, forçar uma amizade é impossível, e a dissimulação pode sim ter o seu lado "bom" ...

Abraços!

Renata disse...

Vou ser bem sincera: quando eu comecei a ler o texto e percebi que falava sobre o BBB pensei "acho melhor eu voltar outra hora e ver se ele posta outra coisa...". Mas respirei fundo e continuei lendo mesmo assim, e garota! Você me impressionou!

O que você disse é simplesmente a verdade: precisamos fingir um pouquinho na vida! Imagina se disséssemos "umas verdades" o tempo todo, algumas coisas tem que ser guardadas pra nós...

Adorei mesmo! (sem dissimular! prometo!)

Sobre o seu comentário no meu blog (Para ou Continua), por mais cruel q seja, vc tem razão... e é triste vc saber q escreveu um texto com tanto sacrifício pra a pessoa chegar no blog e só postar "continua" sem ler nem nada só pra dizer q num é caloteiro no jogo "comente o blog acima". Hoje o pessoal que mais falar do que ouvir...

Beijos! Voltarei sempre!

Anônimo disse...

Antigamente as pessoas eram lembradas pelos ser pensamentos, contos épicos, hoje em dia as pessoas são lembradas por isso aí mesmo: banalidades, futilidades e defeitos...

Dddc disse...

Bem... eu não vejo o bbb, eu até acompanhei as duas primeiras edições, mas depois caiu na mesmice e larguei de mão.
Mas passei aqui pra te parabenizar pelo texto, escreves bem, e com clareza.
Abraço!

Gustavo Valério disse...

legal. Eu tenho uma opinião bem parecida com a sua.

Mas como você já se expressou muito bem, Não preciso escrever minha opinião.
Abraços.

Anônimo disse...

Este foi um bom artigo para ler, obrigado por compartilhar isso.