25 de jan. de 2010

Espiadinha básica

Ligar a tevê diariamente para acompanhar as últimas do Big Brother Brasil – vulgo mas não vulgar BBB – é um exercício comparável a ler romance, assistir à novela das oito ou parar dois minutos na janela para assuntar o quintal do vizinho. Pelo menos para quem vê a vida com os olhos oblíquos da ficção. Se diz a canção de Paulo Ricardo que “viver é quase um jogo”, o jogo por um milhão e meio de reais é quase a vida.
Não é a vida porque (ainda) não somos vigiados por cinquenta câmeras o dia inteiro; porque (ainda) temos a chance de trancar a porta do quarto e fazer o que ninguém vê. Mas, fora isso, fora o show, a realidade pulula no laboratório do Boninho. Embora os BBBs pareçam repetir os mesmos tipos das edições anteriores, eles não são iguais. A gostosa, o pitboy, o estrategista de ontem não são a gostosa, o pitboy, o estrategista de hoje. Basta olhar com atenção, sem preconceitos, e se surpreender.
Personagens como Marcelo Dourado, Dicesar, Elenita e Tessália podem ser mais interessantes – psicologicamente – do que muitos moradores do Leblon, do que várias criações do melhor autor de todos os tempos da última semana. Eles são às vezes bons, às vezes maus, às vezes companheiros, às vezes traiçoeiros, às vezes inteligentes, às vezes uma porta. Mas jamais de papelão. São sempre humanos, no melhor e no pior sentido da palavra humanidade.
Talvez seja por isso (e pelo polpudo salário, mas independentemente dele) que o jornalista e escritor – escritor! – Pedro Bial demonstre tanto carinho por aqueles meninos e meninas tão bobos e ridículos quanto você e eu, que somos anjos e monstros, que somos nós mesmos, que fingimos o que não somos, que nos esbaldamos nas festas e caímos na piscina, que não resistimos a um espelho, que falamos bobagens, que falamos mais bobagens, que, enfim, encaramos provas de resistência, lógica e sorte todos os dias – apenas para fugir do próximo paredão e (sobre)viver a vida.

21 de jan. de 2010

O DJ sou eu

A festa acontece numa mansão belíssima, com direito a jardim grande e piscina idem; o buffet serve quitutes diversos e deliciosos; os convidados são bem educados, até simpáticos; a pista de dança é espaçosa, as luzes dão aquele clima, mas o DJ toca... funk quase a noite inteira! Para quem tem muita (in)disposição, crééééééuuuu, crééééééuuuu. Créu, créu, créu, créu, créu. Eu não, obrigado.
Ainda durante a noite, entre um quibe e uma coxinha, cheguei a me arrepender de não ter levado o mp3. Bastaria pôr os fones no ouvido, apertar o play e sacudir o esqueleto sem medo de ser feliz. Quem notaria afinal? Quem diria que eu não estava no ritmo da festa? Rock’n’roll, pop, disco ou... funk, meu dois-pra-lá-dois-pra-cá não muda muito, tem pouquíssimas variações – típicas de um sujeito cuja cintura tem tanto “jogo” quanto um poste.
Na próxima vez, prometo não vacilar: levo o mp3 e pronto. Serei meu próprio DJ. E ninguém vai poder me acusar de ser antissocial ou metido à besta só porque não aprecio essa tão importante manifestação cultural dos subúrbios, cujos representantes e maiores incentivadores são os MCs e as popozudas (não necessariamente nessa ordem). Pois festas com fones de ouvido já são moda na Europa e estão chegando por aqui.
É a silent disco. Você entra na festa, onde aparentemente impera a lei do silêncio, recebe um fone de ouvido sem fio, coloca e... música! No volume que quiser. E no estilo também. O fone tem três canais, é só escolher your song. Mas, se preferir bater um papo, basta desligar o aparelho e falar tranquilamente, sem ter que se esgoelar. É ou não é superfantástico?
Por falar em fones de ouvido, estou considerando fortemente a possibilidade de aconselhar um pobre amigo – que caiu na armadilha de ser padrinho de casamento – a usá-los, especialmente se os noivos insistirem em levar adiante a genial ideia de uma “homenagem amiga” e embalarem sua entrada e a dos outros padrinhos com algo como “Canção da América”... Help! Um mp3, por favor!

17 de jan. de 2010

Aliens, vampiros e mulheres (in)visíveis

Depois de um ano inteiro recebendo aliens esquisitos na Terra e brincando de ser alien em Pandora, ouvindo muitas perguntas no palco do show e poucas respostas no consultório do analista, passeando com vampiros vegetarianos e vampirinhas carnívoras, voando sob milhares de balões coloridos ou sobre as asas coloridas dos ikrans, tendo aulas de culinária e de História, papeando com garotas nacionais e estrangeiras, viajando para o Paraíso das Cachoeiras ou para o inferno das favelas indianas, vendo nazistas nascerem e explodirem, vendo sonhos explodirem e nascerem, eis o saldo: os dez melhores filmes de 2009, segundo minha humilde opinião e a ordem alfabética. Luz, câmera, recordação!

1) Avatar
Circle of life.

2) Bastardos inglórios
Viva a sociedade alternativa!

3) Deixa ela entrar
... mas não convide pro almoço.

4) Divã
Ficar, com certeza, maluca-beleza!

5) Foi apenas um sonho
Os miseráveis.

6) Julie & Julia
Açúcar a gosto.

7) A mulher invisível
Aqui, neste mundinho fechado, ela é incrível!

8) A onda
Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia?...

9) Quem quer ser um milionário?
Eu! Não contavam com a minha astúcia!

10) Up – altas aventuras
Para o alto e avante!...

11 de jan. de 2010

Aliens, vampiros e o pior cão do mundo

Após milhares de na’vis em 3-D, uma vampirinha encantadoramente perigosa, duas cozinheiras deliciosamente divertidas, centenas de aliens amontoados numa favela sul-africana, dezenas de nazistas indo pelos ares, dúzias de balões coloridos levantando uma casa do chão, vários alunos hitlerianamente aplicados, mil e um sinais de que nosso planeta talvez não resista até 2012, um indiano mais sortudo do que o Raj de Caminho das Índias, um cãozito chamado Marley e outros 29 filmes, cheguei aos meus favoritos de 2009 (em ordem alfabética). Luz, câmera, lista na mão!

1) Avatar
Admirável mundo novo!

2) Bastardos inglórios
Tropa de elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!

3) Deixa ela entrar
Uma vampira puro-sangue.

4) Distrito 9
Guerra dos mundos.

5) Julie & Julia
Fome de viver.

6) Marley e eu
Laços de família.

7) A onda
Marolinha nada...

8) Presságio
Quanto mais quente...

9) Quem quer ser um milionário?
Auspicioso show do milhão!

10) Up – altas aventuras
Voar, voar, subir, subir – ir por onde a imaginação for!

6 de jan. de 2010

A liberdade é azul

Há uma palavra-chave para entrar na sintonia de Avatar: conexão. Definitivamente, um filme de conexões. A começar pela própria compra do ingresso – que, pela primeira vez, fizemos pela internet, já que todas as sessões legendadas 3D se esgotavam antes que conseguíssemos visitar Pandora. À parte essa pequena coincidência inicial, cada partícula da obra (aliás, do monumento) de James Cameron mostra uma face do conectar-se. O longa em si já é um surpreendente entrelaçamento de Pocahontas com Matrix, e destaca justamente as conexões que são privilegiadas nesses dois filmes: homem-natureza e homem-máquina, respectivamente. Como numa raiz de árvore, feixe de neurônios ou engrenagem de fábrica, desse eixo central parte uma infinidade de relações secundárias, num tecido orgânico e harmonioso: a conexão da criatura com o criador, de um membro da comunidade com o outro, de um gêmeo com o outro, de uma espécie com a outra, de uma língua com a outra, do amante com o amado, do racional com o irracional, do vivente com o antepassado, do sonho com a práxis, do sono com a consciência, da ciência com o objeto de estudo, do dever com a ética, do humano com o diferente, do homem com o animal, do homem com o corpo, do corpo com a vontade, da limitação com a liberdade. Quase todas as ligações do mundo cabem numa sessão de Avatar. Durante e depois: o que é puro deslumbre para os olhos vira alimento inesgotável para os neurônios.
A conexão pelos olhos – de um ser com o outro e do homem com o mundo – é, por si só, tema recorrente no filme, da primeira à última cena. Além de os constantes “nasceres” estarem representados nos movimentos de pálpebras e pupilas, o namastê da raça na’vi se traduz na frase “I see you” (“Eu vejo você”). Não é o distraído “See you” que se diz numa despedida à americana: é o ver do encontro, o ver de parar para ver; o ver de admirar, compreender e reconhecer o reflexo da divindade no olhar alheio. E é lindo constatar como a relação afinada e íntima entre todos os seres, tão decantada em qualquer ecomovie (“Nós somos tão ligados uns aos outros/ neste arco, neste círculo sem fim”, já dizia Pocahontas), ganhou belíssima tradução visual nas tranças dos na’vi – que literalmente “plugam” nos animais, na terra, nos ramos da árvore sagrada que recebe suas orações. Difícil não se lembrar da energia vital dos cabelos de Sansão. Mas é mais lindo ainda perceber o quanto essas conexões naturais, orgânicas, são superiores em força e duração àquelas realizadas entre homem e traquitanas eletrônicas, interrompidas com um mero corte de eletricidade, um simples ato de truculência. As oposições de Avatar são óbvias e antigas, sem que por isso soem batidas – o apolíneo contra o telúrico, o patriarcado contra o matriarcado, o metal contra a terra. Papo velho, cara nova: muito além de um povo “primitivo” que se conecta ao planeta, os na’vi são o planeta – em sua própria carne são azuis como a Terra, nosso planeta de nome e alma tão femininos quanto a metafórica Pandora.
É interessante o fato de que, diferentemente do que acontece em Matrix, o avatar do “escolhido” Jake Sully também é sua própria carne, e não um simples holograma. Enquanto Neo se projeta num reino de mentira e assepsia, Jake vive mais plenamente através de um segundo corpo, mais conectado à sua mente do que o original (neste, afinal, suas pernas e sua coluna estão “desplugadas”). Ao contrário dos contratantes de Jake, os quais desejam de Pandora o que ela não lhes pode dar – o metal unobtanium, que até no nome simboliza o que não pode ser obtido –, o protagonista faz ao Planeta-Mãe o pedido certo, a liberdade mental e física que lhe faltava. Ecos de Pocahontas: “Você só vai conseguir/ desta terra usufruir/ se com as cores do vento colorir...”. Apenas com a disposição de ligar-se, e não de romper, é possível conseguir do planeta (qualquer um) a resposta correta; não os males que saíram da caixa da mítica Pandora, e sim a única coisa que nela ficou guardada: a esperança.