28 de jul. de 2009

Há um mundo bem melhor...

... onde a cidade cresce ao redor de um castelo encantado; onde os sonhos se realizam; onde adultos e crianças têm apenas pensamentos coloridos, daqueles que fazem a gente voar; onde os problemas desaparecem num passe de mágica e a única preocupação é se divertir até os últimos fogos de artifício estourarem; onde, dizia Walt Disney, "as flores cantam e os leões não mordem"; onde Fernanda e eu vivemos – até aqui – os 17 dias mais felizes das nossas vidas.
Há três anos estivemos em Orlando, soarin' o mundo numa asa-delta: vestimos sombreiros no México, encaramos vikings e duendes na Noruega, esbarramos com a doce Mulan na China, acertamos os relógios na Alemanha, fizemos um pedido na italianíssima Fontana de Nettuno, assistimos a shows do ABBA nos States e dos Beatles numa pracinha de Liverpool, descansamos sob bonsais, meditamos marroquinamente, comemos croissants e outras guloseimas numa pâtisserie e paramos no Canadá para ver e ouvir as luzes e a música do IllumiNations.
Voamos até Marte num foguete, ajudamos o Homem-Aranha a derrotar o Duende Verde e o Dr. Octopus, viajamos no tempo e no espaço num DeLorean, corremos dos dinossauros no Jurassic Park e do abominável-homem-das-neves durante uma expedição ao monte Everest, fomos encolhidos pelo atrapalhado Dr. Szalinski, caímos num formigueiro, colmeia ou coisa-que-o-valha-cheia-de-insetos, fizemos um safári na África, ficamos ensopados numa meia dúzia de splash mountains, rivers e similares.
E não parou por aí: passamos por uns sustinhos básicos numa casa muito bem-assombrada, despencamos no amaldiçoado elevador do Hollywood Tower Hotel, enfrentamos alienígenas nojentos, malvados e de altíssima periculosidade (como o ardiloso Stitch, amiguinho da Lilo), gritamos à beça diante do Imhotep e de todas as suas múmias, nos esquivamos das balas e da fúria dos exterminadores do futuro e dos piratas do Caribe, cantamos horrores all night long com Beetlejuice, Drácula e outros monstros, resgatamos o ET e o levamos de volta para casa voando em bicicletas...
... ufa! "There's no place like Orlando", foi o que Fernanda e eu pensamos depois de um banho de praia no meio de uma estação de esqui (!) e de uma visita a Oz, com direito a Bruxa Má do Oeste e munchkins... E ainda tivemos direito ao Mickey, ao Pato Donald, às Princesas, ao Buzz Lightyear, ao Ursinho Puff, ao Peter Pan, aos onipresentes Tico e Teco, ao Scooby-Doo, aos X-Men, ao Capitão América, ao Shrek, até ao tagarela do Burro e ao traquinas do Grinch. Tivemos o direito, a sorte, o privilégio, a bênção de viver um sonho ao mesmo tempo real e surreal, fantasmic!, que existiu de se pegar – e de se lembrar, sempre.

21 de jul. de 2009

Dreamgirls

Uma bolsa, uma blusinha, um kit do Boticário? Eu estava sem ideia de presente para minha mãe, que fez aniversário no último dia 7. Não queria repetir as lembranças de todos os anos. Foi aí que o sempre útil RJ TV entrou na história e me deu aquela mãozinha, apresentando um musical que acabava de estrear no Leblon, na Sala Fernanda Montenegro: O som da Motown. O espetáculo traz cinquenta dos maiores sucessos lançados pela famosa gravadora Motown nos anos 60, 70 e 80 e – coisa boa – não tem um dialogozinho sequer. Nada de falação atrapalhando a fluência de uma canção emendada na outra. "Apenas" cinco moçoilas de voz cheia e uma banda tocando ao vivo.

Após a exibição de um vídeo-resumo das três décadas – com Martin Luther King, John Lennon, Vietnã, black power, black is beautiful, paz, amor e outros bichos –, o show começa. As meninas sobem no palco com a suingadíssima "I heard it through the grapevine", imortalizada por Marvin Gaye. Atacam com "Papa was a rolling stone", "Theme from Mahogany", "Just my imagination", mas me emocionam mesmo com a singela "My girl", dos Temptations, quando foi irresistível olhar para a Fernanda com um sorriso nos olhos. What can make me feel this way?

A plateia no bolso, e o quinteto se transforma em trio para ressuscitar as Supremes, com direito ao figurino-e-cabelão típico das musas. Ooh baby love, my baby love... não é que elas mexem os ombrinhos com a mesma delicadeza das divas? e estendem os braços para nos alertar, cheias de um charminho (quase) ingênuo, stop! in the name of love, before you break my heart? Melhor que isso só quando as moças somam cinco outra vez para encarnar os Jackson Five. Simone, Thalita, Ellen, Alcione e Débora viram meninos e interpretam "I want you back" e "ABC" com a molecagem necessária nos pés e nos gogós.

Aí chegamos ao momento mais emocionante do espetáculo, que – por isso mesmo – merece um parágrafo só seu. O jovem Michael Jackson no telão, a corajosa Simone Centurione no palco e a clássica "Ben" na voz suave de ambos. Um dueto milimetricamente ensaiado, improvavelmente bem-sucedido, lindamente realizado, reconhecidamente aplaudido. O ingresso estava muito bem pago. A cortina podia fechar ali que sairíamos felizes. Mas tinha mais.

As sessentíssimas "Do you love me" e "Please, Mr. Postman", a discotequíssima "All night long", as figurinhas carimbadas de qualquer sessão-good-times-de-rádio-que-se-preze "Easy", "Three times a lady", "My cherrie amour", "For once in my life", "Endless love" e – para botar o público cantarolando na saída do teatro e mamãe (ainda mais) feliz da vida com o presente-surpresa – a imbatível "Ain't no mountain high enough", um poema em letra-e-música que faz a gente sacudir toda a poeira do mundo e dar a volta por cima, de preferência numa pista de dança. No wind, no rain or winter's cold can't stop me, baby!

15 de jul. de 2009

Festa de arromba

Eu tenho tanto pra lhes falar, mas só num post não sei dizer – como é e foi grande o nosso Roberto, outra vez em sua carreira de jubileu, mas pela primeira vez no palco dos maiores craques do planeta. Pela primeira vez! o maior do Brasil no maior do mundo. Coisa bonita, coisa gostosa de ver e sentir essa força estranha no ar: o Maraca se enchendo aos poucos com os nossos pais e mães e tias e primos e avós, com aqueles que começaram e terminaram namoros, fases, vidas ao som do Rei. Nós também ali, aguardando nas cadeirinhas brancas, binóculos e lanches comprados, ventinho insistente nos deixando apreensivos. Chuvisco. Capas de chuva prudentemente adquiridas. Muitas “olas” seguidas, afinadas, pra disfarçar a espera. Quase na hora, Eri Johnson convoca a plateia para cantar – uma, duas, três vezes – nossa óbvia declaração ao dono da festa: “Como é grande o meu amor por você”. Ele sabe, ele sabe. Mas não custa repetir, reforçar, desejar: vem, Roberto – pode vir quente que nós estamos fervendo!...

Como digna majestade que é, Roberto atende a seu povo e adentra o palco, charmosíssimo, na aparição azul de um calhambeque – bi-bi! Nunca o tradicional abre-alas “Emoções” refletiu tão bem o doce nervosismo do Rei. Vai dar tudo certo, Roberto, como dois e dois são cinco: canta suave as canções que você fez pra mim, pra todos nós. Ele canta. Amante à moda antiga, delicia-nos com os clássicos da fofura “Eu te amo, te amo, te amo” (“Eu também!”, responde a plateia em coro), “Além do horizonte”, “Amor perfeito”, “Detalhes” (momento banquinho-e-violão) e “Outra vez”. Mas uma carreira de cinquenta anos não é feita só dessa grande família de vozes que o acompanha. É preciso saber viver cada cantinho da vida em cada um dos outros cantinhos. Carinhosamente emocionado, o anfitrião volta às raízes com “Aquela casa simples” e homenageia pai (“Meu querido, meu velho, meu amigo”), mãe (“Lady Laura”), outra mãe (“Nossa Senhora” – com direito a cascata de luz) e Maria Rita (“Mulher pequena” – para minha total alegria de baixinha). Voz doce e serena, coisa delicada, coisa de coração grande.

Algumas curvas depois de “O calhambeque”, no meio da labuta de “Caminhoneiro”, o tempo para na contramão e a chuva desaba. As capas que ainda resistem na bolsa são exasperadamente vestidas. Público ensopado, encharcado, enxaguado e tudo que existir de adjetivo pingante no idioma. Por dez minutos ficamos apenas sentados à beira do show, debaixo do splish splash, aguardando o Rei voltar para o resgate. E acha que com isso estamos sofrendo? Se enganou, meu bem: tudo ainda muito certo como dois e dois são cinco, cinquenta anos de estrada, setenta mil vozes na plateia, um milhão de amigos no peito, talvez alguns bilhões no mundo. Roberto volta para nós, agora pra ficar; e, após a fossa de “Do fundo do meu coração”, canta côncavos e convexos numa enxurrada de músicas safadinhas (“Proposta”, “Seu corpo”, “Os seus botões”, “Café da manhã” e “Cavalgada”). Foi bom para nós? Foi, Roberto: não pare. Aos acordes de “Amigo”, já pressentimos que vai ter novidade. E tem: Erasmo Carlos interrompe a música para, do telão, declarar-se ao irmão camarada. Choradeira dupla. Ao Tremendão (já no palco) e ao Rei, junta-se a Ternurinha. Eles são terríveis! Depois das canções em conjunto, Roberto põe mesmo pra derreter num pout-pourri da Jovem Guarda. E, para nossa pré-saudade, abraça-nos com a macia “Como é grande o meu amor por você”, dá-nos a última lição em “É preciso saber viver” e faz sua prece agradecida em “Jesus Cristo”. Fogos, muitos fogos. Rosas, muitas rosas. Acabou – mas são coisas muito grandes pra esquecer. Um soluço e a vontade de ficar mais um instante. Ele é o bom, é o bom, é o bom – demais!...

8 de jul. de 2009

Invincible

Falar da "morte" de Michael Jackson é a mais pura bobagem. Pelo menos agora. Talvez a gente pudesse ter especulado sobre ela logo após o lançamento de Thriller, em 1982. Porque depois de realizar uma obra-prima é inevitável que o artista morra – e ao mesmo tempo, nada contraditoriamente, alcance a vida eterna, maior privilégio dos mitos, das lendas, dos super-heróis. Ao ressuscitar os mortos com aquela ópera pop, aquele balé do subúrbio, aquela batida perfeita, aquela escuridão sob holofotes, Michael garantiu seu lugar ao lado de nomes como Elvis Presley, que – dizem sabiamente – não morreu.

Michael já era ímpar quando estava ao lado de seus pares, no Jackson Five. Molecote ainda, mostrava ter o ABC e todas as outras letras do alfabeto musical no sangue. Sua estrela transbordava generosamente na voz, no gingado, nos olhos e ofuscava os irmãos, que acabaram desaparecendo com o tempo. Michael tinha de estar sozinho no palco, e sempre esteve, mesmo quando acompanhado de dançarinos e efeitos especiais fabulosos. Uma estrela suficientemente estrela para não precisar de constelação.

Talvez Michael também tenha estado sozinho na vida, muitíssimo menor que o palco, no caso dele. Era um garoto perdido, como aqueles que habitavam Neverland? Era Peter Pan, o menino que não suportava a ideia de crescer? Era o Capitão Gancho, a fugir desesperadamente de um crocodilo que fazia tique-taque por ter engolido um relógio? Era, quem sabe, o próprio crocodilo, que tinha engolido o tempo, mas não conseguia digeri-lo?

Pena eu não ter tido a chance de assistir a um show do Michael ao vivo, como o da Madonna, no Maracanã, e o do Elton John, na Apoteose. Teria sido outro daqueles instantes em que o tempo para, em que milagrosamente deixamos de envelhecer por umas duas horas, como se a Terra do Nunca de fato existisse. Mas não tem problema. O que realmente importa é que a vida (de Michael) continua – nas canções, nas coreografias, nos videoclipes, em seu jeito surpreendente de brilhar, de viver cada dia como se fosse uma imprevisível thriller night.

2 de jul. de 2009

Antes do pôr-do-sol

Depois de uma temporada de (ótimos ou, pelo menos, bons) pipocas em série – Wolverine: X-Men origins, Star Trek, Anjos e demônios, O exterminador do futuro –, eis que voltamos um pouquinho à safra dos “alternativos”. Isto se combinarmos de considerar “alternativo” o filme que não é muito chegado aos Cinemarks e Kinoplexes da vida, fazendo-nos, pois, atravessar o Rio para revisitar nosso querido Espaço de Cinema (que vou chamar de Espaço Unibanco por toda a eternidade). Aquele tipo de filme que pede lanchinho mais de bistrô que de McDonald’s, saca? Pois Tinha que ser você é um desses. Pelo título e à primeira vista, ninguém diz: nome classiquinho de comédia romântica, Dustin Hoffman no cartaz, tal e coisa. Tudo muito mainstream. O roteiro também é previsível, não ousa de modo algum, não tem qualquer cabecice, não inventa absolutamente nada de extraordinário. Não aproveita o climão europeu para, por exemplo, deixar os personagens 25 minutos sem falar – enquanto apreciamos a bela fotografia –, nem para mergulhá-los em verborragia de congresso filosófico. Não se vale de sua pinta de “romance delicado” para abandonar a história no ar, as situações irrealizadas, o espectador com cara de interrogação-exclamação-reticências. Nada disso. E aí está, exatamente, o extraordinário do filme: transitar extraordinariamente dentro do que há de mais ordinário (no bom sentido).
Tinha que ser você é um bichinho totalmente sem artifícios, assim como seus personagens o são. Uma beleza de não-artificialidade. Simplesmente acreditamos naqueles seres próximos, plausíveis, com todo o jeito de serem nossos colegas ou vizinhos. Acreditamos no enredo como em um causo que um primo nos conte, dizendo que se passou com um cunhado seu. Fosse mais uma comediazinha romântica “americana” (entre aspas mesmo, porque não é exatamente nacionalidade: é estilo), provavelmente até o visual um tanto desleixado de Kate – personagem de Emma Thompson – tenderia para o comicamente estudado, para o caricato-baranga, em vez de refletir uma elegância particular e discreta. Suas amigas possivelmente teriam vozes mais agudas, olhares mais teatrais e risos mais nervosos, em vez de lembrarem muito as nossas próprias amigas. A música subiria em momentos impertinentes, ordenando-nos emoções, em vez de ficar muito sossegadinha no seu lugar. Fosse, pelo contrário, um romance delicado “cabeça”, tomaríamos um chá de Londres enquanto o casal faria uma longa jornada noite adentro, discutindo a relação mui articuladamente, como em um Antes do amanhecer de meia-idade. As decisões tomadas seriam sensatas, agridoces e esteticamente lindas, apesar de deixarem a plateia com raiva. Com habilidade quase invisível, porém, o roteiro acerta na corda bamba e se equilibra no cinzinha básico – sempre ele –, apostando corretamente que qualquer um dos extremos pegaria mal para a história que é: de outono e de transição (em todos os sentidos).
Em suma, Tinha que ser você é um grande outono, mimetizado inclusive pelas cores londrinas; é a narrativa dos últimos passos antes do branco total – no inverno, na vida, na carreira, no amor. Um filme de “últimas chances”, conforme diz o título original (Last chance Harvey). “Últimas” que não são últimas, mas que é praxe acreditarmos que sejam, numa mistura de boa sensatez e ruim desesperança. Se for assistir, não espere amargura nem epifanias, ou tema comprido de conversa pra mesa do bistrô: apenas aquela doçura calma, quentinha, de chá bem preparado e sorvido. Infinito enquanto dura o apagar das luzes.