25 de fev. de 2009

E o Oscar vai para...

1) ... o mutante Hugh Jackman, que apresentou, cantou, dançou, fez graça... Se ele pretendia mostrar todas as suas garras e impressionar tio Spielberg, conseguiu!
2) ... a simpática ideia de convidar cinco atores/atrizes já vencedores do Oscar para prestar sua homenagem aos indicados da vez – foi ótimo ver a Whoopi Goldberg, a irmã Mary Clarence de Mudança de hábito, como "madrinha" de Amy Adams, a irmã James de Dúvida.
3) ... o número moulin-rúgico que juntou no mesmo cabaré pop A noviça rebelde, Cantando na chuva, Grease, Chicago, Hairspray, Dreamgirls, Mamma mia! e tantos outros musicais inesquecíveis. Um bravo-bravíssimo para Baz Luhrmann, que criou e dirigiu o espetáculo.
4) ... Ben Stiller imitando Joaquim Phoenix, que cismou de largar a carreira de ator para lançar um álbum de hip hop (?!). A barbudice, os óculos escuros, o chiclete... impagável!
5) ... Tina Fey e Steve Martin, que anunciaram os indicados e vencedores aos prêmios de roteiro original e adaptado. A dupla estava entrosadíssima, com o timing cômico à flor da língua.
6) ... o prêmio póstumo concedido a Heath Ledger. A atuação dele como Coringa foi tão, tão, tão... que não era possível imaginar outro resultado. Mais do que merecido.
7) ... o prêmio quase-póstumo concedido a Jerry Lewis. Antes tarde do que depois... Ainda que o troféu honorário celebrasse seu trabalho humanitário com portadores de necessidades especiais, valeu a homenagem ao ator que formou dezenas de comediantes e fez rir muitas gerações.
8) ... a proximidade entre o palco e a plateia, o que nos fez lembrar que aquela é uma festa entre colegas – de atores, diretores, roteiristas etc. para atores, diretores, roteiristas etc.
9) ... a elegância de Kate Winslet, Meryl Streep, Penélope Cruz, Anne Hathaway, Amy Adams, Natalie Portman... E há quem diga que essa turma do Oscar é cafona, pode?
10) ... a garotada-feliz-da-vida que saiu da Índia diretamente para o tapete vermelho do Kodak Theatre – e ainda levou para casa o Oscar de melhor filme por Slumdog millionaire. Jay ho!

21 de fev. de 2009

Hoje é dia de folia

Alguém pode me dizer como escapar do Carnaval? Não importa o telejornal que você assista: a maior festa popular do Brasil é onipresente. Irritantemente onipresente. Até o Renato Machado, apresentador do Bundinha, Brasil – conhecido por seu gosto sofistiquê do sul da França –, virou apreciador de bateria de escola de samba.
Não é que eu odeie Carnaval. Eu até já curti botar uma fantasia. Já fui índio, Superman, Batman e até Change Dragon, o líder vermelho dos Changeman. Mas o lance era justamente o figurino, não a batucada, os dias de vale-tudo, o porre de felicidade. Brincar de ser outro personagem, que não aquele menino magrelo e sem graça do resto do ano, já me satisfazia.
Hoje estou crescidinho demais para me vestir de Fantasma da Ópera, como a Fernanda imagina, ou de Willy Wonka, como eu sonho (na verdade, meu sonho é ter aquela fantástica fábrica de chocolate com jeitão de parque temático) – a não ser, é claro, que me convidem para uma festa à fantasia, o que ainda não aconteceu...
Também não me convidaram para ver o desfile das escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro de camarote. Com ar-condicionado, comidinhas à vontade, massagem digrátis e alguns vips do lado, eu ia ao sambódromo na boa, sem problemas. Só alegria e Apoteose. Ah, só não vale chamar a Luma de Oliveira e a Ângela Bismarck, que são vips só durante o Carnaval...
Blablablá, esquindô, esquindô, e ninguém me disse como escapar do Carnaval. Bom, é provável que até a Quarta-Feira de Cinzas eu não consiga escapar dele. De algum modo, o Rei Momo afeta nossas vidas; a minha, com certeza ele já afetou. Ora, não estou eu escrevendo sobre o famigerado Carnaval? E, "inadvertidamente", não transformei Bom dia, Brasil em Bundinha, Brasil? Bumbum paticumbum prugurundum...

15 de fev. de 2009

Quando a cobra fumava

Completa hoje 53 anos o apresentador de tevê Carlos Massa, mais conhecido como Ratinho. Fora do ar há algum tempo, sem um programa que faça jus ao seu inegável talento de comunicador, o moço – que chegou a incomodar a audiência do horário nobre global – começou a mostrar que tinha café no bule em setembro de 1997, quando estreou na Record o polêmico Ratinho livre. O sucesso do seu "show de variedades" foi tão grande que logo despertou o interesse de Sílvio Santos. O homem do Baú abriu o cofre da felicidade e, um ano depois, dava as caras no SBT o Programa do Ratinho, que ficou no ar até 2006.

A atração tinha "alguns" quadros apelativos, em geral fantasiados de “prestação de serviços”, e os (hoje) clássicos exames de DNA, apimentados e hilariamente dramatizados com muita baixaria, nenhuma vergonha e altas doses de humor nonsense, em que a única regra era não ter regras. Tudo, mas tudo mesmo, podia acontecer no picadeiro do Ratinho. Não era à toa que o cenário do programa, em sua última fase, lembrava um grande circo.

Os ácidos comentários dos bonecos Xaropinho e Tunico, a voz impostada do Sombra, as imitações do Róbson Bailarino, os trotes do Santos, as caretas do Rodela, as performances do Marquito e do Bola, a banda do maestro Pica-Pau, a plateia inflamada pelos gêmeos Caroço e Azeitona, as reportagens mais esdrúxulas da tevê brasileira – condensadas num aqui-e-agora intitulado Jornal Rational –, se já não fossem mais que suficientes para garantir o imprevisível à próxima cena, ainda podiam ser interrompidos, acreditem!, por um desavisado entregador de pizzas, que certa vez adentrou o palco sem qualquer cerimônia.

Como os leitores podem ver, minha saudade daquele Late show carnavalescamente brasileiro – que desafiava todos os limites do politicamente incorreto e do "bom gosto" – é grande e não tem culpa. Então, para matá-la um pouquinho, garimpei um vídeo no Youtube que traz uma pequeníssima amostra do que acontecia na ratoeira de Carlos Massa. Ah, detalhe: prestem atenção nas participações especiais do Homem-Aranha e do Nacional Kid! É coisa de louco!

9 de fev. de 2009

A vida secreta das palavras

O leitor não é filme de muitas novidades. Ainda mais porque as circunstâncias deram um outro sentido para sua classificação de “filme de época”. O trabalho de Stephen Daldry chegou justinho numa safra de histórias-relativas-à-Segunda-Guerra (junto com Um homem bom, O menino do pijama listrado, o iminente Operação Valquíria) e também numa leva de grandes-atuações-de-Kate-Winslet (junto com Foi apenas um sonho). Conseguiu pegar duas correntes marinhas ao mesmo tempo. Em nenhuma das duas, porém, o longa se destaca significativamente. Com relação ao tema da guerra, não cria tanta empatia quanto O menino..., por exemplo; quanto à performance de Kate, coloca a pulguita atrás de nossa orelha: afinal, por que o papel de Hanna Schmitz – e não o de April Wheeler – foi o escolhido para concorrer ao Oscar? Aliás, a dúvida vai bem mais longe: por que O leitor – e não Foi apenas um sonho­ – foi o escolhido para concorrer ao Oscar??...
Que Miss Winslet merece um crédito balofo por seu trabalho em O leitor, merece, sem pontinha de dúvida. O olhar de Hanna tem vazios, silêncios e raivas muito diferentes dos que há no de April, e, apesar das barbaridades cometidas, é possível sentir até piedade da ex-oficial nazista – que, sem grandes perspectivas senão a da obediência, se apega sem reflexão e sem paixão ao “cumprimento do dever”. O filme, de sua parte, merece crédito por isso: não justifica (é claro) os homicídios cometidos por quem “apenas cumpria o dever”, não tira a carga de Hanna, mas também a torna crível, capaz de demonstrar humanidade e fragilidade em seu próprio orgulho. O “reino das palavras”, como diria Drummond, cumpre um papel interessante no processo de descoisificação da ex-carrasca, especialmente quando o relacionamento – com as palavras mesmas, e não com o leitor, Michael – se torna mais íntimo. Não é, porém, a estrada de tijolinhos amarelos. Sabe-se que letras e artes ajudam no degelo, preparam a terra, mas é preciso estrutura própria para pescar daí algum fruto feliz. Consumir páginas abre a janela para o beabá do mundo; uma coisa, no entanto, é olhá-lo e finalmente vê-lo – e outra é saber o que semear na descoberta.
Embora tudo isso possa ser observado e pensado em cima de O leitor (que nasceu, exatamente como Foi apenas um sonho, para ser discutido e não sentido), a superioridade do outro filme de Kate é visível. Ambos os enredos são densos, tristes e certamente não servem para quem procura Sessão da tarde. Mas enquanto a saga de Frank e April Wheeler é redondamente contada num roteiro que se basta, sem outros artifícios que não a habilidade de escritor e atores, a vida de Michael Berg e Hanna Schmitz nos é apresentada de um jeito meio sonolento – e, não à toa, o longa parece precisar lançar mão de outros, hum, recursos para prender a atenção do espectador (e posar de cult-oscarizável). Kate Winslet também não carece estar na pele de uma ex-SS-quase-boazinha para mandar ver na interpretação: “cumpre o dever” admiravelmente, como sempre, mas é muito mais exigida – consequentemente, mostra muito mais serviço – em seu endereço classe-médio na Revolutionary Road. As atenções da Academia certamente se voltaram para a Kate errada, para o lado errado. Faz mal não. A menina chega lá. Tanto quanto as palavras, há milhares e milhares de Kates; e, como continuaria dizendo Drummond, “cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra”. Pode não ser ainda desta vez, mas o careca douradinho não tarda. Quem melhor do que uma inglesinha para entender de reinado?...

4 de fev. de 2009

Nova velha estória

Revolutionary Road, o endereço de April (Kate Winslet) e Frank (Leonardo DiCaprio) depois de casados – e título original do novo filme de Sam Mendes, Foi apenas um sonho –, me fez lembrar de uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam – todos com juízo, suficientemente.
Essa aldeia fica num conto de Guimarães Rosa, "Fita verde no cabelo (nova velha estória)", e nela mora uma menininha ainda sem juízo, de nome Fita-Verde, a que por enquanto. A que por enquanto tem sonhos, planos, desejos. A que por enquanto prefere o caminho louco e longo, em vez do encurtoso. A que por enquanto se diverte com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar as borboletas nunca em buquê nem em botão.
April e Frank também imaginavam uma estrada com flores princesinhas e incomuns à sua frente, toda em technicolor. Ela queria ser atriz; ele, descobrir o que queria ser. Queriam o caminho louco e longo, queriam um presente e um futuro extra – e além do – ordinário, longe da mediocridade, do conformismo, da vidinha mais ou menos a que muitos de nós se submetem, por necessidade e/ou covardia de querer algo mais.
Mas eles mesmos, ou o Destino (com D maiúsculo, se desejarmos fingir que a culpa não é deles), escolheram aquela ruazinha ironicamente nada revolucionária, o caminho encurtoso, mais óbvio, reto, chato e sensato, tão "perfeito" quanto aqueles bons e velhos comerciais de Doriana. Desistiram de sua Paris, a metonímia-luz para a vida em preto-e-branco que levavam – se deixaram vencer pelo Lobo, se deixaram engolir pelo Lobo.
Fita-Verde, no decorrer do conto, perde sua fita verde e se torna uma pessoa de juízo. Como April e Frank, de um jeito ou de outro, perderam as suas também, e a vontade de viver, de se jogar no mundo, de se arriscar nele, de fazer de cada dia, de cada escolha, uma nova revolução, e não a mesma nova velha estória.