12 de out. de 2009

Reinações do narizinho

Dizem por aí, poética e cientificamente, que o olfato é o sentido mais ligado à memória. Acredito. Se cruzo na rua com algum perfume que já andou frequentando minha vida, é um embarque imediato para as mesmas sensações da época em questão. A lembrança vem inteirinha na boca (como aquelas frases que a gente prepara na cabeça, mas não diz: ficam penduradas na língua). Tem melhor gatilho para um pensamento antigo do que um perfume? Pois hoje, Dia das Crianças, é dia de pensamentos antigos. Não “antigos” de obsoletos e embolorados, pelo contrário: “antigos” de misteriosamente mágicos, como livros que narram nossa própria mitologia. Nossa história particular não está nos álbuns de fotos que guardamos na gaveta, palpáveis e visíveis. Está no álbum de pensamentos que montamos a vida inteira, tão imaterial e flutuante quanto os cheiros queridos que nos ajudam a folheá-lo.
Meu álbum de infância, por exemplo, tem o cheiro das provas e trabalhos de escola rodados no mimeógrafo, cheiro forte do álcool, da tinta roxinha. Minha infância tem cheiro de bolo assando na cozinha de Vó (portas fechadas, talvez para eu não o atacar antes da hora). Dos buquês de jasmim jasminando no quintal (boêmios, durante a noite). Do azeite e da cerveja de Pai almoçando em casa. Da acetona de minha irmã fazendo a unha. Do Acqua Fresca que ela usava. Do Poison (po-a-zom, à moda francesa) que Mãe e Vó usavam. De sereno – entidade misteriosa até hoje. Dos cavalinhos da praça aonde Mãe me levava todo domingo. Do plástico adocicado das bonecas. Da alfazema que se espalhava no apartamento da primeira professora de teclado. Do ar molhado pelo umidificador de ambiente. Do ar mofado do hotel onde nos hospedávamos em São Paulo. Das aulas de arte da quinta série, coloridas de tinta. Das aulas de natação sei lá de que ano, ardidas de cloro. Do xampu Johnson & Johnson, que “não ardia” na vista. Dos livros de Monteiro Lobato que tinham sido de Mãe. Dos livros de Monteiro Lobato novinhos da loja. Das capas dos elepês. Do Colubiazol, remédio de garganta cor de ferrugem que sujava TUDO num raio de cinco quilômetros. De bacalhau sendo preparado e empesteando a casa, para meu desespero. De geleia de mocotó Inbasa, sonho de doce de leite e pirulito de morango. Das revistinhas que Mãe comprava às dúzias no jornaleiro. Das broinhas no lanche da tarde, enquanto passava ZY Bem Bom na Bandeirantes. Das minhas tias-avós. De chuva, de terra, de uma na outra. De tantas pequenices. De tantos etcéteras.
É claro que cada narizito deste mundo terá seu próprio repertório de etcéteras e pequenices, mas todos, nos feudos de memória, reinam. Reinam no sentido lobatiano da travessura (quantas vezes terão se metido onde não eram chamados, como o meu – guloso do bolo – na cozinha de Vó?) e no sentido monárquico do comando. Sim, o gosto de cada guloseima antiga também é importante – mas aí é só o mesmo olfato trabalhando em outro escritório. Tanto os aromas dominam as lembranças e a elas se confundem que ouso duvidar até de Shakespeare, quando, pela boca de Julieta, dá a entender que a rosa teria o mesmo perfume se fosse batizada com outro nome. Qual nada. A rosa não tem o mesmo perfume nem sendo rosa. Para cada um ela será diferente; cada um a registrará diferente em seu catálogo de vida. Ser, não ser, é tudo uma questão de qual narizinho está no comando do olho curioso, do ouvido xereta. É só com seu aval de rei que uma lembrança pode ser embrulhada sempre num sorriso feliz.

27 comentários:

Filhas da PUC disse...

Concordo muito contigo. O olfato pode provocar um enorme sentimento de nostalgia. Sempre que chega a primavera, por exemplo, eu me lembro da época que estava com meu ex-namorado. Não que eu sinta saudades - muito pelo contrário.

Outra coisa: achei genial o teu contestamento da citação de Shakespeare. Muito bom mesmo, parabéns.

Filhas da PUC

Eduardo disse...

Minha infância tem cheiro de barro batido e um monte de criança tudo fedendo correndo atrás de uma bola lá na rua... ahueahuehaue
Cara, realmentes os cheiros trazem muitas lembranças, difícil lemmbrar todas...

kbritovb disse...

bem legal esse texto
nariz do Maradonna que diga
kkk
¬¬foi sem graça

Anônimo disse...

Achei válido o post.
De uma forma suscinta, entendi!
Belas postagens, contéudo 10.

Anônimo disse...

Que nostálgico e doce. Muito bom isso... pude sentir o cheiro do álcool da tinta lá... rs... valeu!

vampira disse...

pois e verdade os cheiros de umperfume um gosto de uma comida
sampre vai fica ma menoria das pessoas pq são menorias ligado alguma coisa que ñ deixa esquece
parabe´ns pelo blog
se quiser fazer uma vista


blog com muitas poesias e novidades
http://pimentinhadark.blogspot.com/

Arnek disse...

Boa refleão devemos estimular as crianças a brincarem na rua como antigamente , e não ficar so em casa no computador e jogos eletrônicos.

http://midiasocialbrasil.blogspot.com/

Diego Janjão disse...

Verdade mesmo...

é bem por aí!

Saudades da minha infancia!

Janis Lyn disse...

saudades da minha infãncia...ai ai

bjs

http://diariodeumafocaemcrise.blogspot.com/

Ique in Vogue disse...

Só de LER sobre o mimeógrafo, já veio tudo na cabeça...

chrisdark disse...

minha infancia tem tantos cheiros, sabores e formas. lembro da maioria delas. saudades da minha infancia, onde tudo era brincadeira, não tinha medo, preocupaçoes só diverção.
http://infotunio-dark.blogspot.com/

Everaldo Ygor disse...

Os cheiros lembram passados presentes...
Elemento da Poesia, da vida, da infancia perdida, dos dias...

Advogado disse...

Só perfume e cheiros mais fortes me levam as lembranças, este sentido em mim é realmente muito falho.

Costumo lembrar pelas imagens e até sons, acho que isto varia de pessoa para pessoa.

Neuro-Musical disse...

Você tem razão quando diz que o olfato nos traz memórias. Muitas vezes boas e muitas vezes ruins. São adversas! ^^ É muito bom lembrar do que já vivemos!

http://cerebro-musical.blogspot.com

Erich Pontoldio disse...

Seu post ficou maravilhoso...parabéns!!!
Dizem que o verbo da nossa vida é SENTIR e para sentir o olfato é primordial pois todas as lembranças de uma vida se não tem uma sensação física tem um cheiro característico !!!

Marcus disse...

é incrivel como conseguimos reconhecer as coisas somente pelo cheiro, muitas vezes esinto cheiro de alguma coisa, e me lembro de coisas muito antigas.

Paty disse...

ótimo post, como é bom lembrarmos da nossa infância né? e realmente não há sentido que nos transporte mais no tempo do que sentir um cheiro que nos lembra a infância, não há foto ou aúdio que mexa tanto com a nossa emoção como o cheiro de uma coisa que nos marcou. é impressionante isso.

Lalo Oliveira disse...

Ah... a nostalgia. rs
Pensei que a visão fosse mais ligada à memória.

Débora Francischini disse...

Quantos cheirinhos nossa memória guarda! São lembranças que por menor que seja, se sentimos um perfume seja bom ou não, lá vai nossa cabecinha funcionando de encontro ao passado, as lembranças acabam se tornando quase reais. E quando são lembranças boas então, ah... delícia de sentimento que nos faz seguir o cheiro, sentí-lo completamente...

Parabéns pelo belíssimo texto. Amei como você o conduzio, com belas palavras e sentimentos doces.

Thiago César Lima disse...

Otimo post!!
Eu sinto o cheiro até nos acontecimentos e nas emoções achava que era só comigo...!!

Fábio Flora disse...

O cheiro das provas e trabalhos de escola rodados no mimeógrafo, cheiro forte do álcool, da tinta roxinha, também senti. Muitas vezes. Como muitas vezes senti o cheiro quentinho dos pastéis que Vó Marieta preparava; dos sabonetes Phebo que Vó Marinete usa até hoje; do bolo mesclado de Mãe no lanche da tarde, enquanto passava o Xou da Xuxa "do dia" no videocassete (Mãe gravava o programa todo santo dia, para que eu, que estudava de manhã, pudesse vê-lo); dos pacotes de figurinha que a gente comprava no jornaleiro; dos estofados do Corcel II de Pai; do pequeno hotel Monte Azul, em São Lourenço; da caixa enorme de papelão que guardava nossos brinquedos; da bala, do capim, do chulé; de uma infância superincrível!...

Anônimo disse...

Querida amiga avassaladora Fernanda.... Voce me fez lembrar do cheiro de lavanda de alfazema que uma senhorinha alemã usava ...Sra. Emi. Fufiu da guerra, viuva de marinheiro mercante e fazia lindos paninhos de crochet... Que memoria!

Rapha disse...

Gostei muito do texto apesar de eu não entender quase nada sobre ofato.

Daniel Silva disse...

Excelente texto... nesse sentido me sinto fora do mundo... nao tenho quase olfato, nao consigo lembrar por cheiros, mas por imagens...

http://apenas-daniel.blogspot.com/

Wander Veroni Maia disse...

Oi Fernanda!

Que bonito seu texto, parabéns! O que mais gostei foi o fato de vc relacionar a memória olfativa com as lembranças da sua infãncia.

Abraço,

http://cafecomnoticias.blogspot.com

Leandro Rocha disse...

Ainda hoje eu sinto o cheiro dos bolinhos de chuva que a minha avó fazia na hora da sessão aventura..
Aquela viagem mágica ao reino do ontem, deve ser uma constante em nossas vidas.
Só lembrando de como chegamos até aqui, conseguiremos ir mais longe crescendo e aprendendo.

Lu·٠•● disse...

Cheiros que trazem lembranças...
de tudo, qualquer lugar, pessoa,
momento, INFÂNCIA...

é de verdade a melhor memória.


http://www.blogdalua-na.blogspot.com/