27 de jun. de 2009

Um chamado Joãozito

Há exatos 101 anos, nascia na pequenina e mineira Cordisburgo – “só quase lugar, mas tão de repente bonito” – um menino que se chamava, como tantos outros brasileirinhos, João. “Um chamado João”, conforme diria a ternura de Carlos Drummond de Andrade. Mas esse menino não era como tantos outros brasileirinhos que nasciam, cresciam e velhavam assim, muito cronologicamente. Joãozito (apelido de infância) aconteceu de vir ao mundo sob um relógio que, desconhecendo tanto o de Benjamin Button quanto o da maioria dos mortais, não ia nem para trás nem para frente: pousava. Os minutos de Joãozito pousavam no quando e no onde os olhos do menino queriam, numa gula ininterrupta pelo mundo e suas mundices; pousavam na possibilidade, na simultaneidade. Na inclusão. Joãozito foi plenamente criança sem deixar de estudar com fascínio – geografia, história, francês e qualquer outra sabença que lhe caísse na vista. João foi plenamente adulto sem deixar de se divertir com o desenho Dumbo e com o fato de andar de elevador. Médico que foi diplomata e escritor, verdadeiro ocidental enfeitiçado pela metafísica oriental, criador de Riobaldo e Diadorim que era Papai-Beleza de Vilminha e Agnucha, homem de gabinete que se aventurou mais de uma vez pelo sertão, intelectual que curtia Agatha Christie, o João que era Joãozito também se chamava Guimarães Rosa.
“Ficamos sem saber o que era João/ e se João existiu/ de se pegar”, disse Drummond depois que João (não) morreu (: ficou encantado). De fato, não lhe faz justiça o João-de-se-pegar que a gente tem na estante da sala, brochurado e empoeirado, rememorando um tempo de escola em que se foi obrigado a ler Primeiras estórias ou Sagarana antes de ser criança o suficiente para ter prazer com esses livros. Um tal João pode dar medo em quem ainda não descresceu o bastante. Por isso, e para provar sem chorumelas que João existiu de se papear e tomar cafezinho, recomendo um outro livro, mas escrito aqui pelo nosso Fábio Flora: Segundas estórias – uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008). Em vez das tradicionais academices, em vez de um pedestal sisudo, capítulos leves que combinam muito mais com um diplomata que escondia doce de leite na gaveta do trabalho, um vovô postiço que se correspondia fofamente com as netinhas, um jovem estudante que criava contos de casarões misteriosos e povos antiquíssimos. Muito, enfim, do João; mais ainda do Joãozito; pouco do Guimarães Rosa que, cheio de sobrenome, costuma amedrontar as vítimas de leituras forçadas, feitas (ainda) sem ouvido e sem paixão.
Se você é um neurótico de guerra – leia-se: de escola ou vestibular –, dos que têm pesadelos com personagens e estilos literários anos a fio, mergulhe nas Segundas estórias antes de reencontrar, recém-enamorado, as Primeiras e Terceiras. Afinal, bebem-se com mais vontade as palavras que saem de boca amiga, conhecida e íntima. E Joãozito, no livro de Fábio, não apenas vira amigo da gente, cúmplice menos de prateleira que de caminho: Joãozito é ali desnudado como o grande amigo ou namorado da vida, um Big Fish sempre sedento, um entusiasta do novo (mesmo que fosse antigo), do também, do tudo. Alguém que não somente viveu: ficou (permanentemente) encantado. Por cada miudinho ser, saber ou lugar que fosse tão de repente bonito.

29 comentários:

kris disse...

Boa indicação, sou do tipo que enquanto não acabo de ler, não largo o livro...
BjO^^

CGARTS disse...

Poxa que legal, eu adoro histórias assim!


VEJA NOSSA ENTREVISTA NESSE BLOG
http://www.cafecomnoticias.blogspot.com/

mstil disse...

bravoo
troca de lin'ks?

http://magazineope.blogspot.com/

Anônimo disse...

Realmente fiquei encantado e quero ler esse livro. Incrível como o "João", lembra um pouco a vida de Jackson!!

Blog: Cultura Dinâmica - www.culturadinamica.wordpress.com

Arthur Alves disse...

Nossa... parabéns!
Adorei o texto, bem escrito, organizado e prende-nos até o fim... rs

Abs

Anônimo disse...

Vlw pela dica,esse eu vou procurar :)

Neuro-Musical disse...

Poxaa
Gostei muito da sua dica Muito legal
E o texto também nem se fala hein...

http://cerebro-musical.blogspot.com

Marcelo A. disse...

Guimarães Rosa era o cara! Ao lado de Jorge Amado e Érico Veríssimo, forma a Santíssima Trindade da Literatura no Brasil.

Unknown disse...

Tanto o Fábio como a Fernanda escrevem de maneira "supimpa"!
rs

Li vários textos aí do blog num fôlego só. Gosto de Guimarães, de Machado e do Exterminador (cabe ele fazer parte desse grupo?). Acho que meu amor tem dias que muda de cor.
Abraços

Érika Viana disse...

eu sou mineira e portanto meio suspeita pra falar mas guimarães é o cara!

Diogo de Castro disse...

nunca li um livro dele, deve ser bom!

joão victor borges disse...

Nossa, muito bom! Guimarães Rosa era o cara mesmo!

Raisa Barbara disse...

Criativo :D~~

http://okiwii.blogspot.com/

Everaldo Ygor disse...

Olá, ótimo post...
João, um verdadeiro criador de palavras, arte - boa dica...
Abraços
Everaldo Ygor

Jugs disse...

Boa dica! Vou procurar ler esse livro! Me interesso por esse estilo de livro!
Beijos!

www.degaragem.com

Anônimo disse...

putz, que show, quero muito ler. Vou procurar urgente.

olha, o cinta foi atualizado com o segundo conto:D
da uma passada la se puder;**

http://cinta-a-liga.opvs.org/

Diego Janjão disse...

UOhhhhhhhhhhhhhhhhhhh

precisava mesmo de um bom livro...

faz tempo que não leio,pra vc ter uma ideia o ultimo livro que li foi o Codigo da Vince

kilder disse...

muito obrigado pela visita e pelo comentário no blog, realmente preciso melhorar bastante...é bom sempre saber opiniões! valeu pela dica, vou seguir! sucesso.

boa semana.

Wander Veroni Maia disse...

Oi, Fernanda!

Quero dar os parabéns a vc e o Fábio por incentivarem a leitura aqui no blog e por trazer aos leitores nomes tão bacanas da nossa literatura, viu! Muito legal esse post!!!

p.S.: estava crente que vcs iam fazer um editorial sobre o Michael Jackson, afinal o cara é uma lenda música pop!

Abraço,


http://cafecomnoticias.blogspot.com

Jonatas Fróes disse...

Juro que já tentei ler Guimarães Rosa, mas não tenho muita paciência pra ele. Um ótimo escritor, bem minuncioso, mas chato (Minha opinião).

[]'s

Musikaholic

Ana Paula Moreira disse...

Muito bom o texto! Como meu colega Wander também parabenizo por posts que incentivam a leitura. Como mineira e apaixonada por livros e boas histórias, adoro João Guimarães Rosa. Esse livro deve ser muito bom.
Abraços.

Inez disse...

Excelente o texto sobre Guimarães Rosa um dos grandes escritores brasileiros.
Parabéns!

Blog Web Dicas disse...

Bacana, quero ler, vlw pela indicação

visita depois?
www.webdicas.org

Victor Zanini disse...

LEr é sempre bom!
Mas com tempo!

Abraço

Pobre esponja disse...

Não li Guimarães Rosa até hoje! Nas sei que não seria um clássico à toa, e na hora certa lerei sua obra, mergulharei. Gosto muito dos Realistas e de alguns Romancistas.

abç
pbns pelo post
Pobre Esponja

Mau Santos disse...

Gostei da indicação. Engraçado se você pensar que 100 anos foi "outro dia mesmo". Aqui em Minas temos o projeto Manuelzão, que leva o nome do guia de Guimarães Rosa pelos sertões e que morreu em 97 e cujo encontro com o escritor rendeu o famoso Grande Sertão Veredas. Vale a pena investigar e entrar nesse mundo!

Mau
http://frag-reflex.blogspot.com/

Leila Brasil disse...

Como gostei de ler você ! "Joaozito!" quero conhecer e dizer aos meus filhos que dirão(aposto!) aos filhos deles. Olha a corrente!
Isso é maravilhoso.

Fábio Flora disse...

Um Guimarães Rosa que troca bilhetes coloridos com as netinhas, que adora ler romances policiais, que se aventura pelo mundo das fábulas infantis e para quem “nada é alto demais. Nem é baixo demais. Tudo é aproveitável” – este é o homem-escritor que acompanho em "Segundas estórias". Um “personagente” avesso a preconceitos e convenções, a quem preferi chamar Joãozito.

Alice Salles disse...

Esse blog é interessantíssimo, parabéns!