18 de jun. de 2010

Muito barulho por tudo

Não preciso escrever que não sou exatamente uma fã de futebol: todos sabem disso. Também vou evitar chover no encharcado – o que eu provavelmente faria ao lamentar, por exemplo, que o patriotismo brasileiro se limite a aparecer de quatro em quatro anos e nunca se volte para coisas mais importantes do que uma bola rolando, ou períodos mais duradouros do que os noventa minutos de bola rolando, ou pessoas mais determinantes para o país do que as onze que correm atrás da bola rolando (e aquele que comanda apenas essas onze). Acredito em toda a political stuff, mas vou momentaneamente tirar meu time de campo – evitando também essa metáfora-clichê, para não parecer infame.
Justamente para não dizer o quanto eu gostaria de um Brasil menos supérfluo, menos deslumbrado, não menos festivo mas menos festeiro, que tivesse na folia uma consequência natural dos dias e não sua própria razão de ser, vou falar das vuvuzelas. É o ano delas: aquelas cornetinhas infernais que têm transformado os jogos e as ruas em manicômios a céu aberto. Sim, sempre houve cornetinhas infernais e torcedores barulhentos, e nem eu mesma defendo que se torça pelos respectivos bafana bafana silenciosamente. O exagero, porém, tem sido assustador. Nunca na história deste país, ou de outros países, deu-se paixão tão histérica pelo barulho e tamanho desprezo pela gentileza sonora, pela delicadeza, pelo comedimento. Não basta mostrar alegria: há que se mostrar desespero. Um desespero de mostrar-se, fazer-se visto, sinalizar-se no mapa com a sutileza de um facão de bandeirante.
Não me restrinjo aos estádios da Copa. Todas as existências são vuvuzeladas obsessivamente. Nas escolas, alunos "comunicam-se" aos brados com o professor que está a vinte centímetros de distância – e gozam de gritar recreativamente nos intervalos entre as aulas, ou (de preferência) nelas próprias. No metrô, somos docemente forçados a acompanhar conversas alheias, cara a cara ou no celular, berradas nos mais alcoviteiros detalhes. Somos também compelidos a apreciar os gostos musicais do próximo, uma vez que os fones (quase sempre ineficazes, aliás) começam a parecer por demais incômodos. Para que usá-los, se naturalmente toda a condução se sentirá honrada ao viajar no embalo de meu funk preferido? Daí passamos ao metafórico: para que calar o privado, resguardar o íntimo, preservar o misterioso, se a ordem do dia é viver em voz alta? Casar, separar, recasar, sofrer, bater, apanhar, trair, coçar, jantar, juntar, comprar fósforos, pegar o jeans na lavanderia, trocar a fralda do bebê – tudo é mais interessante, ou aparentemente mais for real, se feito no palco. Na frente das câmeras. Debaixo dos holofotes. Sobre as páginas dos jornais. Vuvuzela-se tudo sem a beleza antiga do pudor, esse nobre sentimento que recomenda evitarmos virar ópera de nós mesmos.
"História cheia de som e fúria, contada por um louco, significando nada", matutou Shakespeare sobre a vida. Gol de placa do Bardo – quanto ao som e à fúria. O busílis é que a história vem distribuindo significados para cada vez mais nadas, e os narradores (sei não) nascem cada dia mais loucos.

14 comentários:

Gustavo disse...

Bem, olha, é verdade que o brasileiro só se manifesta de 4 em 4 anos, mas eu discordo de ti, como um APAIXONADO por futebol! Bem, mas cada um com sua opinião não é mesmo?

e quantos às vuvuzelas... como diria César Polvilho :

"Vuvuzela: uma coisa colorida e que faz um som irritante. aqui no brasil chamamos de RESTART"

Unknown disse...

Para que usá-los, se naturalmente toda a condução se sentirá honrada ao viajar no embalo de meu funk preferido? *o*

ueheuh' viajei lendo a postagem manolo :B

KGeo disse...

mas como eu odeio essas vuvuzelas

Jéssica Modinne disse...

Vuvuzelar é uma prática tão antiga quanto o patriotismo do brasileiro em época de copa, não tinha notado.

Pra ser sincera, nem em época de copa existe patriotismo. A gente pode torcer em todos os jogos, só que o que realmente importa é ganhar, ninguém vai ter orgulho do país (lê-se "seleção") se não ganharmos no final. =/
Mas é a minha opinião...

fabricio bezerra da guia disse...

As pessoas são desrespeitosas mesmo.Somos obrigados a ouvir as conversas do celular no meio do cinema.os vizinhos aumentam o volume do som e ainda colocam mais caixas e outras coisas lá pra incomodar mesmo.tem gente que grita com os outrois no meio da rua só pra se sentir importante.a sociedade é uma vuvuzela.

Unknown disse...

É verdade que o existe gente que só mostra q gosta de footbal só na epoca de copa, acho q só para curtir mesmo, ou para fazer barulheira no nosso ouvido! hahahha

joão victor borges disse...

Se brasileiro fosse realmente patriota, ia defender a sua condição de cidadania lutando por causas maiores e mais determinantes no nosso país do que, como você diz, "apenas os 90 minutos de jogo". E eu não me excluo desse pensamento. Acho que o que faço não é de perto o bastante. Todos deveríamos refletir sobre isso.

http://anpulheta.blogspot.com

Macaco Pipi disse...

SIMPLESMENTE TEMPOS DE GLÓRIAS!

Paulo Sidney disse...

...o fato é que essas vuvuzelas enchem o saco...

JOÃO PAULO RETTO disse...

Estamos aqui em casa no clima do jogo pra amanhã como o Brasil todo. Só não suporto essas vuvuzelas!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Brasil amanha vai dar de 3x0! Parabéns pelo blog. Muito bom!

Net Esportes disse...

Na Copa das Confederações houve vuvuzela tanto quanto está havendo nessa Copa ..... todos já sabia como seria.

Segunda parte do texto excelente.

Anônimo disse...

Gritar é bonito.

KGeo disse...

agora a situação ta foda o brasil perdeu e eu ainda tenho que aguentar as vuvuzelas