29 de set. de 2009

Capítulo de negativas

Em (mais) um de seus deliciosos textos (“A melhor coisa que não me aconteceu”, publicado na Revista dO Globo no último dia 6 de setembro), Martha Medeiros refletia sobre os não-fatos que desembocam em resultados felizes na vida, aqueles “acontecimentos” que nunca chegam a acontecer e, por sorte, dão lugar a mais bem-sucedidos desvios. Nadíssima a ver com a coleção sarcástica de “nãos” do último capítulo de um Memórias póstumas de Brás Cubas. Nem com “a vida inteira que poderia ter sido e que não foi” de um Manuel Bandeira. Estes, os “nãos” de Martha, são “nãos” positivos, férteis de alternativas, grávidos de caminhos melhores, de respostas mais certas nessa múltipla escolha que nasce e morre conosco. Não transportam culpas, não contêm ressentimentos. São “nãos” comemorativos dos “sins” que deles decorreram.
Também tenho meu capítulo de boas negativas. Quando no início do antigo ginásio, por exemplo, eu não fui para o Colégio Militar (hipótese cogitada em casa). Nada contra o Colégio Militar – hoje em dia; na época, porém, o que mais depunha contra a instituição era não se tratar do meu próprio colégio, aquele em que eu estudara desde os minúsculos quatro anos. E, felizmente, aquele em que acabei estudando até os dezessete, sem interrupções ou separações. Nunca copiei matéria de nenhum quadro-negro que não fosse o de minha escola original, e a chegada à faculdade alinhavou o ciclo desse crédito (reciprocamente) depositado e desse laço nunca partido. Treze anos sem os sustos dos recomeços, sem os terrores das mudanças para somar toneladas às obrigações.
Por falar em obrigações, abençoados os empregos de 40 horas que não cheguei a ter. Remunerações e vantagens interessantes, é verdade. Mas estaria eu realmente mais satisfeita se oito horas me atassem diariamente ao trabalho? Apesar de toda a amofinação com os alunos, compensaria trocar a fluidez do horário de professora pelo cartão de ponto dos gabinetes? os momentos de vida, fôlego, respiração possível, no meio da semana, pela espera exclusiva do sábado e do domingo? o celular permanentemente desligado pela apreensão da cobrança fora de expediente? Nada: não lamento os reais que não pousaram na conta, sabendo que me deixaram pequenas asinhas de compensação.
Mas o mais maravilhoso de todos os “nãos” ocorreu na época do vestibular – o primeiro. O primeiro porque, mesmo antes de terminar o ensino médio, fiz uma prova de ensaio, para no ano seguinte (o “oficial”) já estar à vontade no ambiente. Porque cheguei relaxada e despreocupada, acabei passando no vestibular de mentirinha. Tentar ou não a matrícula na faculdade, diante da súbita aprovação? Tentei, claro. Levei todos os demais documentos, arrisquei pedir que o certificado do segundo grau ficasse pendente por alguns meses, o tempo de um supletivo. A faculdade, porém, não abriu mão – e a entrada nesse momento foi a melhor coisa que não me aconteceu. Pude terminar aquela fase da vida junto com toda a minha turma de escola, tive festa à fantasia no meio do ano, festa de formatura no final, pacote completo. Como deveria ser. Mas isso (mal sabia eu) ainda não era o morango do sundae. Se eu tivesse virado universitária um ano antes do previsto, não teria tido a mais especial das turmas de faculdade e – principalmente – talvez não tivesse conhecido e namorado aquele que é meu companheiro no tudão da vida (inclusive aqui no blog). O “sim” mais proparoxítono e substantivo de todos. Em matéria de múltipla escolha, tenho certeza de que gabaritei.

26 comentários:

Karina Kate disse...

Ahaha ainda bem que vc não foi o morango do sundae. Existem "nãos" em nossas vidas que são para o bem, principalmente quando nós aprendemos a dizer não para muitas coisas!

Anônimo disse...

Nossa, você escreve tão certinho, que a unica parte que eu consegui entender foi que você foi para o colégio militar e nunca copiou matéria do quadro negro! O resto eu boiei o.O
Mais parabéns! Você merece não copiar matéria do quadro negro, porque você já é ótima em Português! =)
Beijos.

Monique Rosa disse...

"rindo do comentário acima"
eu ainda não consigo ver o lado do positivo dos muitos nãos que venho recebendo nos últimos anos.
Graças a Deus que não fui para o colégio militar também.hihi

Vi disse...

Nossa, eu também optei por não entrar no colégio militar e passei no vestibular antes do tempo e decidi continuar no colégio, mas mudei de escola e cidades diversas vezes e essa coisa do recomeço sempre me fascinou muito. Amo começar tudo do zero e poder fazer tudo de novo.

Amo mais ainda ter a chance de fazer tudo de novo e mesmo assim fazer tudo igual. Talvez seja esse o morango do meu sunday, e o melhor é tempo de morangos e eles estão enormes...

Mima disse...

lindu o texto!!
teem coisas na vida q accontecee e na hora agente não entende... mas depois agradece por não ter acontecido!!

parabens!!!


nilmamoura.blogspot.com

beijinhos ^^

Wellington disse...

Adorei a postagem muito bacana! =) Gostei do blog tbm! ^^ Abraços!!!

http://kkio.wordpress.com/

David Aragon™ disse...

Especular com base em eventos imaginados é sempre complicado. O eterno condicional "e se...". Não gosto nem de pensar a respeito, porque quanto mais quebro a cabeça com o assunto, masi me convenço que a vida é um sem número de acasos e coincidências sabatinescas, que o livre-arbítrio é uma falácia e que não passamos de brinquedos irrelevantes nas mãos de um Fado impassível diante do nosso sofrimento...

CHINFRAS e TALS

Bersebah disse...

É curioso...
Um caminho que vamos, e o quão de possibilidades que perdemos, a respeito do que ganhamos.
Porem o NÃO, proporciona a chance de, como você colocou, acarretarmos a chance de um caminho mais interessante.

Em suma, só Deus realmente sabe o que é melhor para nós, nosso caminho derradeiro, mas o mais importante de tudo, como também ficou visivel no texto, é não ter medo de tentar, sempre procurar caminhos melhores, mesmo que esse não esteja disponivel, pode abrir portas para outro, onde seremos mais felizes e realizados.
Tudo também é experiencia e aprendizado, e considero que isso é o objetivo de nossas vidas.

Parábens pelo blog, gostei muito do titulo da postagem, e do titulo inicial.

Apenas daria uma personalizada no fundo, pois está branco demais, e isso dá uma certa sensação de monotomia na minha opinião.

Um abraço.

Karina Kate disse...

Lembrando que vestibular, não é só para aqueles que saem do colegial. Existem pessoas entrando nas universidades com 40, 50 anos... será que a gente se preocupa demais com isso?

Kayo blogadão disse...

Otimo texto parabéns,acho tbm que cada um deve seguir o que quer não o que a familia pede e nunca é tarde pra comecar nada.
passa lá http://k-a-y-o.blogspot.com

Fabrício Bezerra disse...

*eu NÃO consigo emprego
*eu NÃO consigo entrar numa universidade,
*eu NÃO consigo namorada
*eu NÃO gosto de jiló
*eu NÃO entrei no exercito(mas isso eu gostei)

Wander Veroni Maia disse...

Oi, Fernanda!

Que texto bonito e uma declaração de amor ao seu namorado, hein! sabe de uma coisa: tem alguns não na nossa vida que nos fazem um bem, mas é à longo prazo. Pois nos faz trilhar outros caminhos e a descobrir coisas que precisavam ser reveladas. Excelente texto!

Abraço,

http://cafecomnoticias.blogspot.com

Habib Sarquis disse...

Excelente texto. Deus escreve certo por linhas tortas.

Blog: Cultura Dinâmica - www.culturadinamica.wordpress.com

Felype disse...

nossa parabéns,otima postagem :)
http://felype-g.blogspot.com/

YagoMurakami disse...

Que bom que frequentei o meu coleginho normal, militar não ia aguetar não xD
abraços!

http://wallnosekai.blogspot.com/

Willian Cima disse...

òtimo post...

Abs.

pequeno erudito disse...

Ah eu já não-fiz tanta coisa que hoje contribuiu para que eu saiba o que sei, tenha o que tenho e conheça as pessoas que conheço. Tenho pra mim inclusive que a vida inteira é um conjunto de egações, para parecermos bons, por exemplo, negamos o comportamento assumidamente mau.

Um abraço, e quando puder, passa lá no Blog do Niltinho

Lilian Negrini disse...

Muito gostosa a leitura. É bom saber que tem gente igual a gente por aí.
bjs

Will Farias disse...

Gosto do seu estilo de postagem mas acho que vc deveria utilizar uma sintese melhor para ter post mais concisos e objetivos pra prender melhor o leitor.

Anônimo disse...

Sempre troquei de escola, de curso universitário, de emprego, de tudo. Volta e meia troco de eu tbm.

Inez disse...

Muitas vezes quando ouvimos os nãos ficamos tristes, revoltados, mas, muitos desses nãos são as alavancas para o que realmente pode nos fazer felizes.

Pobre esponja disse...

Que blog bem organizado, escrito em Português (o que, acredite, é raro)
Parabéns pelo Post

abç
Pobre Esponja

Raphael disse...

Engraçado que colecionando "nãos" a gente também acaba com uma enorme coleção de "ses", que frequentemente são sinônimo de tristeza e frustração.

Eu prefiro colecionar "sins" e alegrias.

Comentei aqui porque já tinha comentado no primeiro post. Daí vim procurar outro e este me pareceu interessante.

Fábio Flora disse...

O fato de eu não ter sido aprovado no vestibular da UFRJ para Comunicação Social e ter "acabado" no Instituto de Letras da UERJ me fez conhecer uma turma incrível, amigos maravilhosos e a minha Fernanda. Se não fosse aquele "não", talvez muitos "sins" felizes e inesquecíveis – que vieram nos anos seguintes – não tivessem acontecido. Como dizia o Opash em "Caminho das Índias", "dentro de todo não tem um sim, e dentro de todo sim tem um não". Atchá!

Neuro-Musical disse...

Tudo tem seu tempo não? Não podem,os apressar as coisas porque elas podem dar errado ou não. A vida é feita de escolhas e no final é você mesmo quem acaba arcando com as consequencias!

http://cerebro-musical.blogspot.com

Andréia Luz disse...

O texto é maravilhoso. Claro que estou "chovendo no molhado", né? Na verdade, este texto, é uma declaração de amor! Parabéns!
Saudade de vocês!