
Hoje, 25 de maio, foi escolhido como o Dia do Orgulho Nerd. Confesso minha mais profunda irritação com o fato. E obviamente não falo isso por ser antipatizante de nerds (eu mesma, se bobear, estou arriscadíssima a levar o rótulo pela cara); também não falo por fuga, ou por medinho de ser chamada de nerd. Digo-o por ser totalmente antipatizante da necessidade de chamar alguém de nerd, e igualmente inimiga do jeito incompreensível como isso é feito. Pra que, minha gente, criar essa categoria misteriosa? O que cargas d’água é um nerd? Quem estuda muito? Quem tira boas notas? Quem lê até no elevador ou na piscina? Quem recita a tabela periódica? Quem recita as falas da hexalogia Star Wars (de sabre azul em punho)? Quem cumprimenta os amigos com a saudação vulcana? Quem tafulha até a cozinha de casa com bonequinhos cabeçudos de desenhos oitentões (setentões, sessentões)? Quem faz peregrinação anual ao túmulo de Federico Fellini? Quem passou sem game over por todas as fases de 74.893 joguinhos? Quem torrou a caderneta de poupança mandando confeccionar (em bronze) as armaduras de cada Cavaleiro do Zodíaco? Quem trocou a identidade do RG pela do RPG, sem esperança de reingresso na sociedade? O que, ó céus, dizei-me – o que é um nerd???... Nerd, meu amigo, é o adesivo mais vale-tudo do universo: cola em quase qualquer um. Uma tentativa aloprada de classificação humana, como a ideia de um gerente pancada que resolve, numa loja de departamentos, criar uma seção específica para: roupas azuis de crianças, sapatos pretos de homens, bolsas grandes de mulheres e guarda-chuvas. Infelizmente, não se pode demitir – como ao gerente doidão – quem resolveu sapecar pessoas tão distintas nas mesmas prateleiras do mundo.
Aliás, quem foi que disse mesmo que o mundo tem prateleiras? Até tem – mas não pra gente. Pode-se arquivar documentos por espécie, enfileirar livros pelo sistema de Dewey, listar filmes em ordem alfabética, mas não há código disponível no planeta para categorizar tipos de pessoas – por dentro. Seria nerd alguém que odiasse estudar, abominasse ficção científica e computadores, mas fosse o melhor aluno da sala, tocasse violino e jogasse capoeira? Seria nerd um surfista que adorasse física quântica, escrevesse sonetos e curtisse marcenaria? Seria nerd um analfabeto que tem Q.I. de 190, mas que nunca irá à escola porque não lhe tiraram nem certidão de nascimento? uma senhorinha de 70 e poucos anos que virou aficcionada por tecnologia no semestre passado? um imortal da Academia que nunca ouviu falar em Darth Vader? um morador de rua que (caso verídico) passou em concurso público estudando, na praça, com livro emprestado? Quem é nerd? Quem não é? Quem será, de que tipo – e em que nível? Quantos moldes humanos – ricos, fartos, pitorescos, exclusivos – existirão, solitários em suas características, únicos em suas qualidades, debaixo desse velho sol?...
Pela lógica, o Dia do Orgulho Nerd deveria ser o de TODOS os indivíduos do mundo que se dedicam/dedicaram muito a alguma coisa ou que tiveram/têm inteligência específica para algo. Vejamos: Da Vinci, Guimarães Rosa, Newton, Machado, Shakespeare, Mozart, Spielberg, Santos Dumont, Bill Gates, Woody Allen, TODO o pessoal da música, TODO o pessoal da ciência, TODO o pessoal da literatura, TODO o do cinema, TODO o dos quadrinhos, TODOS os que inventam, TODOS os que leem, TODOS os que têm hobbies, todo, todos, tudo... e eu, e você, e a torcida de cada time do Brasileirão e a de cada seleção mundial. Ora, todos somos seletivamente especiais; todos somos “nerds” em alguma coisa, em algum momento, em alguma fatia. Nerd, se existe, existe assim: como regra e não como exceção. É o intangível, o inqualificável, o inclassificável, o irreunível que nos une numa excelência genericamente individual. Orgulho não é ser nerd; é simplesmente ser. E p.t., saudações – vulcanas.