
Claro que nem tudo são flores. Como diria Bruno Mazzeo, Festival do Rio também pode ser a maior cilada. Numa das edições, por exemplo, a legenda eletrônica resolveu tirar férias no meio do filme e deixou o público na saudade (e na ignorância). Vira, mexe, interrompe a sessão dali, tenta consertar daqui, não teve jeito: nada de a bichinha sair da greve. Alguns espectadores desistiram, mas eu e Fábio, profissionais, encaramos o negócio até o fim. Encaramos porque era em inglês, óbvio (e, como típico espécime de Festival, não tinha assim tantas falas); se fosse obra de um Kurosawa da vida, ou de qualquer outro indivíduo não muito americano, danou-se. Mas também tem aqueles longas cuja legenda poderia evaporar no meio da ação e não faria a menor diferença: você iria apenas continuar, tranquilamente, não entendendo porcaria nenhuma. Coisa de três edições atrás, pegamos um filme israelense desse tipo. Não por ser israelense, é certo, mas por ser uma das maiores mixórdias possíveis em termos de enredo – que, ainda por cima, era o oposto do que a sinopse jurava ser. Estamos discutindo a relação com o filme até hoje. E não é preciso ir muito longe: no sábado passado, decidi investir animadamente numa história que prometia – A casa Nucingen. Aparentemente, um tradicional conto de mansão mal-assombrada. Mas assombrados ficamos nós – os pobres pagantes – diante de tamanha ruindade. Personagens incompreensíveis, roteiro capenga, diálogos esdrúxulos, fantasmas bisonhos e metade da plateia abandonando a sala, perplexa, no meio da sessão. Fiquei lá, impávido colosso, esperando surgir algum sentido (sou brasileira e não desisto nunca). Mas, se querem saber, ele ainda não chegou.
Apesar de todos os efeitos colaterais envolvidos, nunca deixa de ser uma delícia garimpar preciosidades no escuro, no chutômetro; felizmente, em sua maioria, as escolhas não são (completamente) furadas. Mais de uma vez, uma ou outra dessas pérolas acabou entrando no meu top ten anual. E mesmo quando o aproveitamento está longe dos 100%, vamos combinar: em que outra época do ano temos a honra de ver, reunidos, títulos como Porco cego quer voar, Matadores de vampiras lésbicas, Sexo, quiabo e manteiga com sal, Os famosos e os duendes da morte e Bom dia, meu nome é Sheila ou como trabalhar em telemarketing e ganhar um vale-coxinha? Em que outro momento histórico lemos sinopses que incluem, na mesma trama, personagens como Caubói, Índio e Cavalo, churrasqueira, tijolos, casa soterrada, professora de piano e bizarras criaturas marinhas? (pode acreditar: essa tosqueira existe e atende pelo nome de A town called Panic). Não tem pra ninguém: o Festival (para nossa sorte e saúde) é conjunção astral única, de relaxar e gozar em todas as possibilidades. Agora lá vou eu com minha tabela; te vejo na próxima sessão. Boa sorte e boas pipocas!