
Ninguém com mais envergadura para encarar a protagonista, Mercedes, do que a fabulosa Lília (que, inclusive, já encarnou a personagem no teatro). De quantas atrizes se pode dizer – como dela – que se transformam a cada papel, varrendo da nossa memória as vivências anteriores? Até os olhos da autoanalisada Mercedes são diferentes dos de Catarina (a esposa sofrida de A favorita, também sujeita a muitas transformações pessoais), e mais ainda dos de Marta (não a Medeiros, mas a psicopata-que-assustava-criancinhas de Páginas da vida). Lília é atriz pra mais de metro. E está bem acompanhadíssima, na tela, pela adorável Alexandra – conhecida do grande público por suas participações no Zorra total –, que, na pele da melhor amiga de Mercedes, demonstra a mesma habilidade da companheira em transitar da comédia ao drama com extrema leveza.
Esta é, por sinal, uma das maiores qualidades do filme: a arte de flutuar sobre o riso e o choro com igual competência; de nos levar ao primeiro sem grosseria e ao segundo sem apelação. Uma leveza às vezes insustentável, diga-se de passagem – afinal, parece excessiva em relação ao modo como Mercedes lida com as traições (a própria e a alheia). Afora essa impraticabilidade, o enredo é um show de corte, costura e timing, com troféu-destaque para Paulo Gustavo, impagável no papel do cabeleireiro da protagonista, Renê – dono dos melhores momentos do longa. E não é à toa que o personagem masculino de maior relevo acabe sendo justamente ele, o amigo gay mais próximo e mais aberto à espontaneidade de Mercedes do que seu próprio analista. Divã é um filme de feminices, um filme-água, uma DR líquida e fluida com a vida, um Sex and the city com menos glamour e mais humor (nos dois sentidos desta palavra). Apesar do título, é menos um filme de análise (da qual Mercedes não demonstra realmente precisar) do que de interlocução, de pura verbalização. A grande descoberta da personagem não é algo bombástico em relação a si mesma, mas algo simples em relação a todos: “o fundamental a gente não fala”. Por medo, por preguiça, por vergonha, por insegurança, por segurança em excesso, por achar que há sempre um depois, por achar que o outro já sabe, por achar que ele não precisa saber, o fundamental – vai entender – a gente não fala. Freud explica.