25 de mai. de 2009

Manifesto antirrotulista

Hoje, 25 de maio, foi escolhido como o Dia do Orgulho Nerd. Confesso minha mais profunda irritação com o fato. E obviamente não falo isso por ser antipatizante de nerds (eu mesma, se bobear, estou arriscadíssima a levar o rótulo pela cara); também não falo por fuga, ou por medinho de ser chamada de nerd. Digo-o por ser totalmente antipatizante da necessidade de chamar alguém de nerd, e igualmente inimiga do jeito incompreensível como isso é feito. Pra que, minha gente, criar essa categoria misteriosa? O que cargas d’água é um nerd? Quem estuda muito? Quem tira boas notas? Quem lê até no elevador ou na piscina? Quem recita a tabela periódica? Quem recita as falas da hexalogia Star Wars (de sabre azul em punho)? Quem cumprimenta os amigos com a saudação vulcana? Quem tafulha até a cozinha de casa com bonequinhos cabeçudos de desenhos oitentões (setentões, sessentões)? Quem faz peregrinação anual ao túmulo de Federico Fellini? Quem passou sem game over por todas as fases de 74.893 joguinhos? Quem torrou a caderneta de poupança mandando confeccionar (em bronze) as armaduras de cada Cavaleiro do Zodíaco? Quem trocou a identidade do RG pela do RPG, sem esperança de reingresso na sociedade? O que, ó céus, dizei-me – o que é um nerd???... Nerd, meu amigo, é o adesivo mais vale-tudo do universo: cola em quase qualquer um. Uma tentativa aloprada de classificação humana, como a ideia de um gerente pancada que resolve, numa loja de departamentos, criar uma seção específica para: roupas azuis de crianças, sapatos pretos de homens, bolsas grandes de mulheres e guarda-chuvas. Infelizmente, não se pode demitir – como ao gerente doidão – quem resolveu sapecar pessoas tão distintas nas mesmas prateleiras do mundo.
Aliás, quem foi que disse mesmo que o mundo tem prateleiras? Até tem – mas não pra gente. Pode-se arquivar documentos por espécie, enfileirar livros pelo sistema de Dewey, listar filmes em ordem alfabética, mas não há código disponível no planeta para categorizar tipos de pessoas – por dentro. Seria nerd alguém que odiasse estudar, abominasse ficção científica e computadores, mas fosse o melhor aluno da sala, tocasse violino e jogasse capoeira? Seria nerd um surfista que adorasse física quântica, escrevesse sonetos e curtisse marcenaria? Seria nerd um analfabeto que tem Q.I. de 190, mas que nunca irá à escola porque não lhe tiraram nem certidão de nascimento? uma senhorinha de 70 e poucos anos que virou aficcionada por tecnologia no semestre passado? um imortal da Academia que nunca ouviu falar em Darth Vader? um morador de rua que (caso verídico) passou em concurso público estudando, na praça, com livro emprestado? Quem é nerd? Quem não é? Quem será, de que tipo – e em que nível? Quantos moldes humanos – ricos, fartos, pitorescos, exclusivos – existirão, solitários em suas características, únicos em suas qualidades, debaixo desse velho sol?...
Pela lógica, o Dia do Orgulho Nerd deveria ser o de TODOS os indivíduos do mundo que se dedicam/dedicaram muito a alguma coisa ou que tiveram/têm inteligência específica para algo. Vejamos: Da Vinci, Guimarães Rosa, Newton, Machado, Shakespeare, Mozart, Spielberg, Santos Dumont, Bill Gates, Woody Allen, TODO o pessoal da música, TODO o pessoal da ciência, TODO o pessoal da literatura, TODO o do cinema, TODO o dos quadrinhos, TODOS os que inventam, TODOS os que leem, TODOS os que têm hobbies, todo, todos, tudo... e eu, e você, e a torcida de cada time do Brasileirão e a de cada seleção mundial. Ora, todos somos seletivamente especiais; todos somos “nerds” em alguma coisa, em algum momento, em alguma fatia. Nerd, se existe, existe assim: como regra e não como exceção. É o intangível, o inqualificável, o inclassificável, o irreunível que nos une numa excelência genericamente individual. Orgulho não é ser nerd; é simplesmente ser. E p.t., saudações – vulcanas.

19 de mai. de 2009

Jornada nas estrelas

Antes que o leitor ache que sou um nerd aficcionado por Star Trek, que tenho várias miniaturas da U.S.S. Enterprise, que acompanhei religiosamente os trocentos episódios da série ou que cumprimento meus amigos com a saudação vulcana, devo esclarecer que nunca fui um trekker. O diretor J.J. Abrams também não, segundo contou em algumas entrevistas. A praia dele (e a minha) sempre foi outra galáxia – muito, muito distante... Mesmo assim, mais inclinado ao Lado Negro da Força, ele conseguiu fazer um filme que enfim redime a franquia.
Ao apostar num roteiro que respeita a extensa cronologia anterior e, simultaneamente, recomeça do zero a saga – graças ao manjado, mas eficiente truque da viagem no tempo –, Abrams revitalizou o universo trekkiano, possibilitando que novas gerações embarquem nas aventuras interplanetárias criadas pelo escritor e produtor Gene Roddenberry nos anos 1960.
A tripulação da nova velha U.S.S. Enterprise agora conta com os até então desconhecidos Chris Pine (na pele do galãzinho pós-adolescente e cheio de si Capitão Kirk) e Zachary Quinto (a versão juvenil e impressionantemente fiel do Spock original), duas escolhas certeiras – tão certeira quanto a participação especialíssima de Leonard Nimoy, que reencarna o Dr. Spock com a elegância matemática que o tornou um ícone da ficção científica e, por que não dizer, da cultura pop. Não somente uma ponta para amansar fãs xiitas, a presença de Nimoy acaba materializando o elo que une o passado e o presente da série.
Rebobinado com efeitos especiais que só o século XXIII (oops, XXI!) é capaz de proporcionar, uma edição mais ágil e um elenco jovem, Star Trek deverá ter "vida longa e próspera" nos cinemas, voltando a cumprir sua mais nobre missão (em inglês mesmo, porque fica mais bonito): to explore strange new worlds, to seek out new life-forms and new civilizations; to boldly go where no one has gone before.

14 de mai. de 2009

Todo dia é dia das mães

Mãe é uma casa ambulante. Não digo isso pelo fato de ela ser nosso primeiro endereço físico, mas por ser o eterno país emocional. Cada mãe é uma nacionalidade diferente, uma cultura distinta, um idioma separado. Quem perde sua mãe fica órfão de si mesmo; nesse instante, rasga-se o mapa de sua história bem na parte do “X”. Perder a mãe é perder o passaporte no meio da viagem: fica-se em stand by no planeta, perplexo numa vida estrangeira, eternamente impedido de regressar ao seu eu de origem. Aquele momento em que você prossegue na jornada, mas sua bagagem foi parar na Tanzânia; simplesmente não se sabe por onde (re)começar.
Mãe é o único lugar, debaixo do sol, onde existimos antes de existir. O único lugar deste mundo onde vivemos sem ter idade. Os únicos nove meses de bonus track no universo, o único estágio probatório de vida. Sim, é verdade – como alguns adolescentes resmungam, diante da preocupação às vezes descabelada de suas mães – que nunca pedimos para nascer. Porém, uma vez nascidos, também não queremos descer do trem. Mãe é o nosso ticket to ride, o nosso ingresso para o show. Mãe é aquilo que nos permite conhecer a cor turquesa, a lua cheia, o Magic Kingdom, a vitamina Itambé, as novelas das oito, os filmes do Spielberg, as músicas dO fantasma da ópera. Mãe não é apenas um milagre, nem é apenas quem nos acha um milagre: é igualmente o nosso portal para todos os outros milagres passados e futuros. Mãe é o corredor com rodinhas que liga nosso avião à terra que ansiamos por visitar. Mãe é o aeroporto de Orlando sem fila de imigração. Mãe é o nosso campo de alunissagem. E a bandeirinha de nós mesmos (como aquela fincada pelos astronautas na superfície conquistada) nem é necessária quando pousamos: mãe é nave multiúso que, enquanto nos transporta, já está em nosso destino final, já nos abriu caminho e preparou terreno aconchegantemente, convocando o exército de um berço, dois travesseiros antialérgicos e alguns elefantinhos de pelúcia para amaciar a queda.
Mãe é muito esquisito. É a única pessoa física que abarca uma penca de pessoas jurídicas; a única entidade conhecida que tem licença de ser, simultaneamente, meio de transporte, residência, hotel, passaporte e pista de pouso. Mãe é substantivo coletivo. Mãe é um substantivo tão concreto que só pode ser abstrato. Mas, felizmente para todos – e contrariando todas as leis de lógica, sensatez e sanidade –, é um substantivo comum. Um seu dia de vida é que é incomum demais para caber inteirinho em 24 horas, como o dos outros terráqueos que não são mães. E por isso, pela lógica avessa à dos calendários, pela legislação diplomaticamente estabelecida das mães – porque mãe também é consulado e sindicato –, o dia embrulhado para elas deveria corresponder, cronologicamente, a um dia que elas dedicam aos filhos. Ou seja: mais ou menos 8.784 horas e 17 minutos, corrigidos pelos últimos índices de inflação. Um dia menor do que esse, reservado para elas, é definitivamente um roubo. E não foi isso que você aprendeu com a sua mãe.

9 de mai. de 2009

Um dia especial

Não sei se por um alinhamento improvável de planetas ou bolinhas de gude, se por vontade dos deuses, da Matrix ou do Boninho, se por uma daquelas coincidências superfantásticas e amigas que ainda não me fizeram ganhar na loteria, o dia 9 de maio é diferente, tão diferente que – acreditem – não se repete durante o ano.
Após uma visita breve à Dona Wikipédia, descobri que foi num 9 de maio que a primeira parte de Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, foi publicada. Deve ser por isso que todos os nascidos nessa data confundem moinhos de vento com gigantes – adoram brincar de herói, ou de super-herói, vestir uma capa vermelha e sair por aí voando.
Por falar nos nascidos nesse dia, não posso me esquecer de certo escritor escocês, James Matthew Barrie, criador do Peter Pan, aquele menino que se recusava a crescer, vivia na Terra do Nunca e só queria saber de pensamentos felizes – a senha para poder voar!
Aliás, se eu pudesse voar de verdade, ou pelo menos aparatar (como o Harry Potter e outros bruxos), poderia comemorar este 9 de maio em algum castelo da Europa – afinal, hoje se celebra o dia do Velho Continente – ou em Esperantina, no Piauí, onde uma lei municipal instituiu o não menos importante Dia do Orgasmo!...
Mas, como não posso voar – digo, voar de verdade –, vou ficar por aqui mesmo e festejar meus 29 anos, muito bem vividos, com minha família, minha Fernanda e, claro, meu desejo de que o Vasco volte a seus dias de Gigante, com "G" maiúsculo mesmo, pois, nesse caso, certamente não se trata de um moinho de vento...

6 de mai. de 2009

De volta à Terra do Nunca

Há quem torça o nariz para o remake de uma novela, a refilmagem de um clássico do cinema ou a regravação de um hit dos Beatles ou do ABBA. Muitos se perguntam por que mexer no que já é – ou seria – uma obra "definitiva". Não seria melhor investir em algo (supostamente) novo? É claro que o "novo", a experimentação são sempre bem-vindos – revitalizam nossas ideias, nos tiram da mesmice, do piloto-automático de todos os dias. Mas o retorno a bons e velhos lugares, mesmo que repaginados, também tem seu valor.
Há poucos dias, por exemplo, minha prima, uma quase pós-adolescente de 18 anos, me mostrou umas canções da banda inglesa McFly, da qual mal tinha ouvido falar. São quatro rapazinhos que tocam um pop-rock, ou rock-pop, que lembra – à distância – aquele jovem quarteto de Liverpool. Entre as faixas, havia uma com título deveras suspeito: "Don't stop me now". Encurtando a história: a música que ela julgava ser mais um sucesso de seus ídolos era "tão-somente" um cover de um famosíssimo single do Queen! Ou seja: se o McFly não tivesse feito essa rápida viagem ao finalzinho dos anos 70, Ana Paula (esse é o nome dela) talvez não tivesse descoberto Freddie Mercury e cia.
Esse causo não serve apenas para ilustrar o valor de uma regravação, seja ela um cover (com toda a reverência que lhe é peculiar) ou uma releitura (com toda a novidade que às vezes torna o original irreconhecível); serve também – e principalmente – para ajudar a ratificar a importância de uma coleção de CDs que merece todos os fogos de artifício do Magic Kingdom e já chegou a seu sexto volume (com fôlego suficiente para o sétimo): Disney mania – superstar artists sing Disney... their way!
É muito bom – e certamente educativo – ouvir um standard como "When you wish upon a star" na voz (e só na voz, porque à capela) dos meninos do *NSync ou no arranjo pop de Kate Voegele; recordar os acordes de "I wanna be like you" e "Part of your world", ambas em pegadas mais roqueiras, nas vozes e guitarras do Smash Mouth e de Skye Sweetnam, respectivamente; mexer o esqueleto em "Who's afraid of the big bad wolf", com uma releitura rap do B5; ou, ainda, voltar à infância no remix cheio de suingue do Baha Men para "It's a small world".
Superiores ou não às versões originais, todas as canções – especialmente as mais antigas – renascem com vida própria nessa coletânea para um público mais jovem, a geração High School Musical, que, com raríssimas exceções, não teria paciência de tomar um assento naquele DeLorean movido a plutônio (do verdadeiro McFly, o Marty) para revisitar clássicos como "A dream is a wish your heart makes", "The second star to the right" e "Zip-a-dee-doo-dah" – que, cá entre nós, já beiram a melhor idade.